Sobre este espaço

"Existem maneiras de pensar, agir e viver que possam ser mais satisfatórias, emocionantes, e principalmente dignas, do que as formas como pensamos, agimos e vivemos atualmente?"


Um de nossos tantos desejos... Se algum material que colocamos aqui, de alguma forma, estimular você a pensar ou sentir algo, pedimos de coração para que você use estas ideias. Copie, mude, concorde, discorde. A intenção deste blog é incentivar o questionamento e a intervenção das pessoas na sociedade. Pegue os textos, tire xerox, CONVERSE mais, faça por você, faça por todos nós, faça por ninguém. E se quiser, entre em contato(conosco, c/ qualquer um, com o meio, c/ a natureza...) Coletiva e humilde-mente - vive em paz, revolte-se!

terça-feira, 6 de maio de 2014

COMO A CIÊNCIA ESTÁ DIZENDO PARA NOS REVOLTARMOS por Naomi Klein


Naomi Klein

Em dezembro de 2012, um pesquisador de sistemas complexos de cabelo rosa chamado Brad Werner conseguiu se destacar em uma multidão de 24.000 cientistas com estudos terrestres e espaciais no Fall Meeting of the American Geophysical Union[1], realizado anualmente em San Francisco. A conferência deste ano teve alguns participantes de renome, desde Ed Stone do projeto Voyager da Nasa, explicando um novo achado no caminho para o espaço interestelar, até o cineasta James Cameron, discutindo suas aventuras em submersíveis de baixas-profundidades.

Mas era a sessão de Werner que estava dando o que falar. Foi intitulada "Is Earth F**ked?" (Título completo: "Is Earth F**ked? Dynamical Futility of Global Environmental Management and Possibilities for Sustainability via Direct Action Activism” [2])

Parado na frente da sala de conferência, o geofísico da Universidade da Califórnia, em San Diego conduziu a platéia através de um avançado modelo de computador que estava usando para responder a essa pergunta. Ele falou sobre os limites do sistema, perturbações, dissipações, atratores, bifurcações e um monte de outras coisas em grande parte incompreensíveis para aqueles de nós não iniciados na teoria dos sistemas complexos. Mas o resultado foi bastante claro: o capitalismo global tem gerado o esgotamento dos recursos de um modo tão rápido, prático e livre de barreiras que os "sistemas humanos e planetários" estão se tornando perigosamente instáveis. Quando pressionado por um jornalista para dar uma resposta clara sobre a pergunta "estamos fodidos?", Werner deixou o jargão de lado e respondeu: “Mais ou menos”.

Houve uma dinâmica no modelo que, no entanto, ofereceu alguma esperança. Werner classificou de "resistência" – movimentos de "pessoas ou grupos de pessoas" que "adotam um determinado conjunto de dinâmicas que não se encaixa dentro da cultura capitalista". De acordo com o resumo de sua apresentação, isso inclui "a ação direta ambientalista, resistência empreendida por fora da cultura dominante, como nos protestos, bloqueios e sabotagem por povos indígenas, trabalhadores, anarquistas e outros grupos ativistas".

Reuniões científicas sérias geralmente não recorrem a coisas como resistência política de massas, muito menos à ação direta e sabotagem. Mas Werner não estava exatamente apelando para essas coisas. Ele estava apenas observando que os levantes em massa de pessoas – nas linhas do movimento abolicionista, o movimento dos direitos civis ou o Occupy Wall Street – representam a fonte mais provável de "fricção" para abrandar essa máquina econômica que está fora de controle. Sabemos que os movimentos sociais passados "tiveram enorme influência sobre... a forma como a cultura dominante evoluiu", ressaltou. Então é lógico que, "se nós estamos preocupados com o futuro da Terra, e com o futuro do nosso espaço no meio ambiente, temos que incluir a resistência como parte dessa dinâmica". E isso, Werner argumentou, não é uma questão de opinião, mas "um problema real da geofísica".

Muitos cientistas foram movidos por seus resultados de pesquisa para agir nas ruas. Os físicos, astrônomos, médicos e biólogos têm estado na vanguarda dos movimentos contra as armas nucleares, a energia nuclear, a guerra, a contaminação química e o criacionismo. Em novembro de 2012, a Nature publicou um comentário do financista e filantropo ambiental Jeremy Grantham incitando os cientistas a aderir a esta tradição e "serem presos se for necessário", porque a mudança climática "não é apenas a crise de suas vidas – é também a crise da existência de nossa espécie".

Alguns cientistas não precisam ser convincentes. O chefão da climatologia moderna, James Hansen, é um ativista formidável, tendo sido preso algumas vezes por resistir contra a remoção do topo de montanhas por empresas de mineração de carvão e contra a extração de areias betuminosas (ele mesmo deixou seu trabalho na Nasa este ano, em parte para ter mais tempo para realizar campanhas). Dois anos atrás, quando eu fui presa do lado de fora da Casa Branca em uma ação em massa contra o oleoduto de areias betuminosas de Keystone XL, uma das 166 pessoas algemadas no dia era um glaciologista chamado Jason Box, um especialista de renome mundial em pesquisas sobre o derretimento do gelo na Groenlândia.

"Eu não poderia manter minha auto-estima, se eu não fizesse isso", disse Box na época, acrescentando que "apenas votar não parece ser suficiente neste caso. Eu preciso também ser um cidadão ".

Isso é louvável, mas o que Werner está fazendo com a sua modelagem é diferente. Ele não está dizendo que sua pesquisa o levou a tomar medidas para parar uma política particular; ele está dizendo que sua pesquisa mostra que todo o nosso paradigma econômico é uma ameaça para a estabilidade ecológica. E, de fato, que enfrentar este paradigma econômico – por meio de um movimento de massas de contra-ataque – é a melhor chance que a humanidade tem para evitar uma catástrofe.

Isso é algo pesado. Mas ele não está sozinho. Werner faz parte de um grupo pequeno, mas cada vez mais influente, de cientistas cujas pesquisas sobre a desestabilização dos sistemas naturais – particularmente o sistema climático – estão levando-os a conclusões transformadoras, até mesmo revolucionárias. E para qualquer revolucionário escondido no armário que já sonhava em derrubar a atual ordem econômica em favor de algo que ofereça chances um pouco menores de que terminem enforcados em suas próprias casas, este trabalho deve ser de particular interesse. Porque leva ao afundamento desse sistema cruel em favor de algo novo (e talvez, com muito trabalho, melhor) não é mais uma questão de mera preferência ideológica, mas sim de uma necessidade existencial de todos os indivíduos de nossa espécie.

Liderando o grupo desses novos revolucionários científicos está um dos maiores climatologistas da Grã-Bretanha, Kevin Anderson, o vice-diretor do Tyndall Centre for Climate Change Research, que rapidamente se estabeleceu como uma das instituições de pesquisas climáticas mais renomadas do Reino Unido. Dirigindo-se a todos do Department for International Development do Manchester City Council, Anderson passou mais de uma década traduzindo pacientemente as implicações da climatologia moderna para os políticos, economistas e ativistas. Em linguagem clara e compreensível, ele estabelece um roteiro rigoroso para redução de emissões, um que fornece uma esperança decente de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2° Celsius, uma medida que a maioria dos governos concordaria que seria capaz de evitar a catástrofe.

Mas nos últimos anos, os trabalhos e slide shows de Anderson tornaram-se mais alarmantes. Sob títulos como "Climate Change: Going Beyond Dangerous... Brutal Numbers and Tenuous Hope" [3], ele aponta que as chances de nos mantermos dentro de qualquer coisa com níveis de temperatura seguros estão diminuindo rapidamente.

Com sua colega Alice Arcos, uma especialista em mitigação das alterações climáticas no Tyndall Centre, Anderson aponta que perdemos tanto tempo com estagnação política e com políticas climáticas fracas – tudo isso enquanto o consumo global (e emissões) subiu – que agora estamos enfrentando situações tão drásticas que desafiam a lógica fundamental de priorizar o crescimento do PIB acima de tudo.

Anderson e Bows nos informaram que a meta de redução em longo prazo, muitas vezes citada – um corte de 80%, até 2050, nas emissões referentes aos níveis de 1990 – foi selecionada puramente por razões de conveniência política e "não tem base científica". Isso porque os impactos climáticos não vêm apenas do que emitimos hoje e amanhã, mas a partir das emissões acumuladas que se somam na atmosfera ao longo do tempo. E eles alertam que, concentrando-se em metas de três décadas e meia para o futuro – e não sobre o que podemos fazer para reduzir o carbono de forma acentuada e imediatamente – há um sério risco de que possamos permitir que nossas emissões continuem a subir nos próximos anos, soprando assim para bem longe a nossa segunda "quota de carbono" e colocando-nos numa situação sem volta até o final do século.

É por isso que Anderson e Bows argumentam que, se os governos dos países desenvolvidos estão falando sério sobre cumprir a meta internacional estabelecida de manter o aquecimento abaixo de 2° Celsius, e se as reduções irão respeitar qualquer tipo de princípio de equidade (basicamente, de que os países que têm vomitado carbono pela maior parte dos últimos dois séculos precisam realizar cortes antes que os países em que mais de um bilhão de pessoas ainda não têm eletricidade), então as reduções precisam ser muito mais profundas, e elas precisam ser promovidas muito mais cedo.

Para ter ao menos uma chance de 50% de bater a meta de 2° C (que, eles e muitos outros alertam, já está enfrentando uma série de impactos climáticos extremamente nocivos), os países industrializados precisam começar a cortar suas emissões de gases de efeito estufa em algo como 10% ao ano – e eles precisam começar agora. Mas Anderson e Bows vão mais longe, apontando que este objetivo não pode ser alcançado com a variedade de soluções apresentada como a precificação do carbono muito modesta ou tecnologias verdes geralmente defendidas por grandes grupos verdes. Estas medidas irão certamente ajudar, com certeza, mas elas simplesmente não são suficientes: uma queda de 10% nas emissões, ano após ano, é praticamente sem precedentes desde que começamos a alimentar as nossas economias com carvão. Na verdade, os cortes acima de 1% ao ano "têm sido historicamente associados apenas com a recessão econômica ou revoltas", como o economista Nicholas Stern colocou em seu relatório de 2006 para o governo britânico.

Mesmo após o colapso da União Soviética, reduções desta duração e profundidade não aconteceram (os ex-países soviéticos experimentaram reduções médias anuais de cerca de 5% ao longo de um período de dez anos). Elas não aconteceram depois que Wall Street caiu em 2008 (países ricos experimentaram uma queda de 7% entre 2008 e 2009, mas as suas emissões de CO2 recuperaram-se vertiginosamente em 2010 e as emissões na China e Índia continuaram a subir). Só na sequência imediata da grande crise de 1929 é que o mercado dos Estados Unidos, por exemplo, viu cair as emissões durante vários anos consecutivos em mais de 10% ao ano, de acordo com dados históricos do Carbon Dioxide Information Analysis Centre. Mas aquela foi a pior crise econômica dos tempos modernos.

Se quisermos evitar esse tipo de carnificina e atender nossas metas de emissões cientificamente embasadas, a redução de carbono deve ser gerenciada cuidadosamente através do que Anderson e Bows descrevem como "estratégias radicais e imediatas de decrescimento nos EUA, na UE e em outros países ricos". O que é bom, só que acontece que temos um sistema econômico que fetichisa o crescimento do PIB acima de tudo, independentemente das consequências humanas ou ecológicas e em que a classe política neoliberal tem abdicado absolutamente da sua responsabilidade de gerir qualquer coisa (uma vez que o mercado é o gênio invisível para quem tudo deve ser confiado).

Então, o que Anderson e Bows realmente estão dizendo é que ainda há tempo para evitar o aquecimento catastrófico, mas não dentro das regras do capitalismo como elas estão sendo atualmente construídas. O que pode ser o melhor argumento que já tivemos para mudar essas regras.

Em um ensaio de 2012, que apareceu na influente revista científica Nature Climate Change, Anderson e Bows publicaram uma espécie de desafio, acusando muitos de seus colegas cientistas de não serem claros sobre o tipo de mudanças que o aquecimento global demanda para a humanidade. Por isso, vale a pena citá-los:

“... no desenvolvimento de cenários de emissões, cientistas subestimam repetidamente e severamente as implicações de suas análises. Quando se trata de evitar um aumento de 2° C, "impossível" é traduzido como "difícil, mas possível", enquanto que "urgente e radical" emerge como "complicado" – tudo para apaziguar o deus da economia (ou, mais precisamente, as finanças). Por exemplo, para evitar exceder a taxa máxima de redução de emissões ditada por economistas, picos de emissão atuais são considerados “impossíveis”, juntamente com noções ingênuas sobre "grande" engenharia e taxas de implantação de infra-estrutura de baixo carbono. Mais preocupante, os orçamentos de emissões têm diminuído, de modo que a geoengenharia é cada vez mais evocada para assegurar que o diktat dos economistas continue inquestionável.”

Em outras palavras, a fim de parecer razoável dentro dos círculos econômicos neoliberais, os cientistas têm se tornado dramaticamente soft quanto às implicações de suas pesquisas. Em agosto de 2013, Anderson estava disposto a ser ainda mais contundente, escrevendo que o barco havia navegado na mudança gradual. "Talvez no momento da Cúpula da Terra de 1992, ou mesmo na virada do milênio, níveis de mitigação de 2° C poderiam ter sido alcançados através de mudanças evolutivas significativas dentro da hegemonia política e econômica. Mas a mudança climática é uma questão cumulativa! Agora, em 2013, nós nas nações (pós)industriais, com nossas altas emissões, enfrentamos uma perspectiva muito diferente. Nosso desregramento permanente e coletivo de carbono desperdiçou qualquer oportunidade de "mudança evolutiva" proporcionada pela nossa anterior (e maior) quota de carbono de 2° C. Hoje, depois de duas décadas de blefe e mentiras, o orçamento de 2° C restante exige mudanças revolucionárias para a hegemonia política e econômica" (sua ênfase).

Nós provavelmente não devemos nos surpreender que alguns climatologistas se assustem um pouco com as implicações radicais até mesmo de suas próprias pesquisas. A maioria deles está apenas fazendo seu trabalho discretamente, medindo núcleos de gelo, desenvolvendo modelos climáticos globais e estudando a acidificação do oceano, apenas para descobrir, como o autor e especialista em clima australiano Clive Hamilton diz, que eles "foram involuntariamente desestabilizar a ordem política e social".

Mas há muitas pessoas que estão bem conscientes da natureza revolucionária da climatologia. É por isso que alguns dos governos que decidiram chutar para longe seus compromissos climáticos em favor de desenterrar mais carbono tiveram que encontrar formas cada vez mais truculentas para silenciar e intimidar cientistas de suas nações. Na Grã-Bretanha, esta estratégia está se tornando mais evidente, com Ian Boyd, o conselheiro científico chefe do Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais, que escreveu recentemente que os cientistas devem evitar "sugerir que as políticas sejam certas ou erradas" e devem expressar suas opiniões "trabalhando com assessores (como eu), e sendo a voz da razão, ao invés da voz da dissidência, na arena pública".

Se você quer saber onde isso pode levar, confira o que está acontecendo no Canadá, onde eu moro. O governo conservador de Stephen Harper fez um trabalho tão eficaz de amordaçar cientistas fechando projetos críticos de pesquisa que, em julho de 2012, alguns milhares de cientistas e simpatizantes realizaram um falso-funeral no Parliament Hill, em Ottawa, lamentando "a morte da evidência". Seus cartazes diziam, "nenhuma ciência, nenhuma evidência, nenhuma verdade".

Mas, de qualquer maneira, a verdade está aparecendo. O fato de que as buscas habituais por lucro e crescimento estão desestabilizando a vida na terra já não é algo que só encontramos em revistas científicas. Os primeiros sinais estão se desenrolando diante dos nossos olhos. E um número crescente de pessoas está respondendo adequadamente: bloqueando atividades de extração de gás de xisto em Balcombe; interferindo os preparativos de perfuração em águas russas do Ártico (com custo pessoal enorme); levando empresas de exploração de areias betuminosas ao tribunal por violar a soberania indígena; e inúmeros outros grandes e pequenos atos de resistência. No modelo de computador de Brad Werner, este é o "atrito" necessário para desacelerar as forças de desestabilização; o grande ativista do clima Bill McKibben chama-os de "anticorpos" levantando-se para lutar contra a "febre" do planeta.

Não é uma revolução, mas é um começo. E isso poderia nos dar tempo suficiente para descobrir uma maneira de viver neste planeta que seja claramente menos fodida.



Naomi Klein, autora de “Shock Doctrine” e “No Logo”, está trabalhando em um livro é um vídeo sobre o poder revolucionário da mudança climática. Você pode seguí-la no twitter @naomiaklein.


[1] Encontro de Outono da União Americana de Geofísica.
[2] Estaria a Terra Fudida? Futilidade Dinâmica da Gestão Ambiental Global as Possibilidades de Sustentabilidade via Ativismo de Ação Direta.
[3] Mudanças Climáticas: Indo Além do Perigoso... Números Brutais e Tênue Esperança.


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Site da autora: Naomi Klein
Tradução: Carlos Teixeira

domingo, 20 de abril de 2014

O PIOR ERRO NA HISTÓRIA DA RAÇA HUMANA - Jared Diamond


À ciência nós devemos mudanças dramáticas em nossa presunçosa auto-imagem. A astronomia nos ensinou que nossa Terra não é o centro do universo, mas somente um de seus bilhões de corpos celestes. Da biologia nós aprendemos que nós não fomos especialmente criados por Deus, mas frutos da evolução dos seres vivos junto com milhões de outras espécies. Agora a arqueologia está demolindo outra convicção sagrada: que a história humana sobre os milhões de anos do passado teria sido uma longa jornada de progresso. Em particular, achados recentes sugerem que a adoção da agricultura, supostamente nosso passo mais decisivo em direção a uma vida melhor, foi de muitas formas uma catástrofe da qual nós nunca mais nos recuperamos. Com a agricultura veio uma brutal desigualdade social e sexual, a doença e o despotismo, que aflige nossa existência.

Inicialmente, as evidências contra esta interpretação revisionista serão percebidas pelos americanos do século vinte como irrefutáveis. Nós estamos em melhor situação do que as pessoas da Idade Média em quase todos os aspectos, que por sua vez tiveram mais facilidades que os homens das cavernas, que por sua vez ficavam em melhor situação que os macacos. Somente contamos nossas vantagens. Nós apreciamos a grande abundância e variedade de alimentos, as melhores ferramentas e bens materiais, uma das fases de maior longevidade e saúde da história. A maioria de nós está protegida da fome e de predadores. Nós obtemos nossa energia do petróleo e máquinas, não de nosso suor. Qual neo-Ludita (movimento social inglês contrário à mecanização, do início do século XIX) entre nós trocaria essa vida pela de um camponês medieval, de um homem da caverna, ou de um macaco?

Na maior parte de nossa história nós sustentamos a nós mesmos pela caça e pela coleta: nós caçamos animais selvagens e apanhamos plantas silvestres. É uma vida que os filósofos tem tradicionalmente considerado como sórdida, bruta, e limitada. Uma vez que nenhuma comida é cultivada e pouca pode ser armazenada, existe (nesta visão) nenhum momento de repouso para a constante luta que começa novamente todos os dias em busca de alimentos silvestres, para evitar o sofrimento da fome. Nossa fuga desta miséria foi facilitada somente há 10.000 anos atrás, quando em partes diferentes do planeta as pessoas começaram a domesticar plantas e animais. A revolução agrícola expandiu-se até hoje e é quase universal e poucas tribos sobrevivem no modelo caçador-coletor.

Da perspectiva progressivista em que eu fui educado, perguntar "Por que quase todos os nossos antepassados caçadores-coletores adotaram a agricultura?" é tolo. Claro que eles adotaram isto porque a agricultura é um modo eficiente de adquirir mais alimento com menos trabalho. As colheitas de plantações rendem muito mais toneladas por acre que raízes e bagas. Somente imagine um bando de selvagens, exaustos de procurar por nozes ou de perseguir animais selvagens, de repente arrecadando alimentos com tranquilidade, pela primeira vez, em um pomar carregado de frutas, ou de um campo repleto de ovelhas. Quantos milissegundos você pensa que eles levariam para apreciar as vantagens da agricultura?

Os partidários progressivistas algumas vezes chegam ao ponto de creditar à agricultura o notável florescer das artes que teria acontecido ao redor dos últimos milhares de anos. Já que as colheitas podem ser armazenadas, e considerando que leva menos tempo pegar comida de um jardim do que encontrá-la na natureza, a agricultura deu a nós o tempo livre que os caçadores-coletores jamais tiveram. Deste modo seria a agricultura que nos habilitou a construir o Parthenon ou a compor uma sinfonia.

Apesar disso parecer indiscutível na visão progressivista, é difícil de ser provado. Como você demonstra que as vidas das pessoas de 10.000 anos atrás melhoraram quando eles abandonaram a caça e a coleta pela agricultura? Até recentemente, os arqueólogos tinham que recorrer a provas indiretas, cujos resultados (surpreendentemente) fracassaram em sustentar a visão progressivista. Esse é um exemplo de um teste indireto: Seriam os caçadores-coletores do século XX realmente piores do que os fazendeiros? Espalhados pelo mundo, vários grupos de pessoas consideradas primitivas, como os bosquímanos (bushmen: homens da floresta, primitivos dos bosques) do Kalahari, continuam a se sustentarem da mesma maneira. Isso significa que eles têm bastante tempo de lazer, um bom período de sono, ou trabalham menos do que os seus vizinhos agricultores. Por exemplo, o tempo médio dedicado toda semana para obter comida é somente 12 a 19 horas para um grupo de bosquímanos, 14 horas ou menos para os nômades de Hadza da Tanzânia. Um bosquímano, quando perguntado por que ele não imitava as tribos vizinhas, adotando a agricultura, replicou: "Por que nós deveríamos, quando existem tantas nozes "mongongo" no mundo?"

Enquanto os fazendeiros se concentram em colheitas de alto teor de carboidratos como o arroz e batatas, a mistura de plantas e animais selvagens das dietas dos sobreviventes caçadores-coletores oferecem mais proteína e um melhor equilíbrio de outros nutrientes. Em um estudo, a ingestão média diária de alimento do bosquímano (durante um mês, quando a comida era abundante) era de 2.140 calorias e 93 gramas de proteína, consideravelmente maior que a ração diária recomendada para as pessoas de seu porte. É quase inconcebível que os bosquímanos, que comem 75 ou mais plantas silvestres, possam morrer de fome da mesma maneira que centenas de milhares de fazendeiros irlandeses e suas famílias morreram durante a escassez de batata da década de 1840.

Assim as vidas dos caçadores-coletores sobreviventes não eram tão sórdidas ou brutas, embora os fazendeiros os tivessem empurrado para alguns dos piores locais do mundo. Mas as sociedades coletoras modernas que compartilharam com as sociedades agrícolas por milhares de anos não nos informam sobre as condições prévias à revolução agrícola. A visão progressivista está realmente fazendo uma alegação sobre um distante passado: que as vidas dos povos primitivos melhoraram quando eles trocaram de coletores para a agricultura. Os arqueólogos podem datar essa troca distinguindo sobras e vestígios de plantas e animais selvagens e domesticados em monturos (coleções de lixo alimentar e excrementos) pré-históricos.

Como se pode deduzir sobre a saúde dos fabricantes desse lixo pré-histórico, e assim diretamente testar a visão progressivista? Essa questão ficou possível de ser solucionada apenas em anos recentes, em parte pelas novas técnicas emergentes de paleopatologia, o estudo de sinais de doença nos restos mortais em indivíduos do passado.

Em algumas situações favoráveis, o paleopatologista tem quase tanto material para estudar como um patologista atual. Por exemplo, os arqueólogos nos desertos chilenos encontraram múmias bem preservadas cujas condições médicas na época da morte poderiam ser determinadas por autópsia (Discover, outubro). E as fezes de índios de um passado remoto, que viviam em cavernas, em Nevada, permanecem suficientemente bem preservadas para serem examinadas para pesquisa de vermes intestinais e outros parasitas.

Normalmente o único resíduo humano disponível para estudo são os esqueletos, mas eles permitem um número assombroso de deduções. Para começar, um esqueleto revela o sexo do seu dono, o peso, e idade aproximada. Nos poucos casos onde existem muitos esqueletos, pode se fazer tabelas de mortalidade à semelhança daquelas utilizadas pelas companhias de seguro de vida, para calcular a expectativa de vida e o risco de morte para qualquer idade fornecida. Os paleopatologistas também podem calcular as taxas de crescimento medindo os ossos das pessoas de idades diferentes, examinando os dentes através de defeitos de esmalte (sinais de desnutrição na infância), e reconhecendo as cicatrizes que ficam nos ossos pela anemia, tuberculose, lepra, e outras doenças.

Um exemplo objetivo do que os paleopatologistas descobriram a partir de esqueletos diz respeito à mudanças históricas na altura. Nos esqueletos da Grécia e Peru ficou demonstrado que a altura média de um caçador-coletor ao redor do final da idade do gelo era de generosos 1,79 m (5'9" pés) para homens, e 1,67 m (5'5" pés) para mulheres. Com a adoção da agricultura, a altura despencou, e por volta de 3000 a.C. alcançou uma redução para 1,61 m (5'3" pés) para os homens, 1,52 m (5' pés) para mulheres. Nos tempos clássicos ocorreu uma lenta recuperação da altura, mas os gregos e turcos modernos ainda não recuperaram a altura média de seus antepassados distantes.

Outro exemplo de paleopatologia diz respeito ao trabalho de estudo de esqueletos de indígenas de colinas funerárias nos vales de rios de Illinois e Ohio. Nas colinas de Dickson, localizada próxima à confluência dos rios de Spoon e Illinois, os arqueólogos escavaram cerca de 800 esqueletos que ilustram um quadro das mudanças de saúde que aconteceram quando a cultura de caçador-coletor deu lugar para o cultivo intensivo de milho ao redor de 1150 dC. Os estudos de George Armelagos e seus colegas de então na Universidade de Massachusetts mostra que esses primeiros fazendeiros pagaram um preço para sua forma de sustento. Comparado ao caçador-coletor que precedeu a eles, os fazendeiros tiveram quase 50% de aumento em defeitos no esmalte indicativos de desnutrição, um aumento em quatro vezes na anemia por deficiência de ferro (comprovado por uma condição óssea denominada de hiperostosis porótica), uma triplicação em lesões nos ossos que refletiam alguma doença infecciosa em geral, e um aumento nas condições degenerativas da espinha vertebral, provavelmente refletindo muito trabalho físico desgastante. "A expectativa de vida ao nascimento na comunidade pré-agrícola era em torno de vinte e seis anos," diz Armelagos, "mas na comunidade pós-agrícola seria de dezenove anos. Portanto esses episódios de stress nutricional e por doenças infecciosas, afetou gravemente sua habilidade de sobreviver."

Essas evidências sugerem que os índios das Colinas de Dickson, como muitos outros povos primitivos, se iniciaram na agricultura não por escolha, mas por necessidade de alimentar um constante aumento no número de indivíduos de suas populações. "Eu não acredito que a maior parte dos povos caçadores-coletores iniciassem a agricultura até um determinado momento em que eles se viam obrigados, necessariamente, a iniciá-la, e quando eles trocaram para a agricultura eles negociaram qualidade pela quantidade", diz Mark Cohen da Universidade do Estado de Nova Iorque em Plattsburgh, co-editor com Armelagos, de um dos livros primordiais desse campo de pesquisa: Paleopatologia nas Origens de Agricultura. "Quando eu comecei pioneiramente a tornar público esse argumento dez anos atrás, poucas pessoas concordavam comigo. Agora acabou se transformando num respeitável, embora controverso, lado desse debate".

Existem pelo menos três conjuntos de razões para explicar porque a agricultura era ruim para a saúde. Primeiro, os caçadores-coletores apreciavam uma dieta variada, enquanto os primeiros fazendeiros obtinham a maior parte de sua comida a partir de um ou alguns poucos alimentos da colheita. Os fazendeiros obtinham caloria barata à custa de uma nutrição pobre. (Atualmente apenas três vegetais fornecem altas taxas de carboidratos: trigo, arroz, e milho fornecem a maior parcela das calorias consumidas pela espécie humana, e cada qual é deficiente em certas vitaminas ou aminoácidos essenciais para a vida.) Segundo, por causa da dependência de um número limitado de alimentos fornecidos pelas colheitas, os fazendeiros corriam o risco da fome se uma colheita falhasse. Finalmente, o simples fato de a agricultura encorajar as pessoas para associação em sociedades lotadas, muitas das quais começaram a estabelecer ligações comerciais com outras populosas sociedades, proporcionou a propagação de parasitoses e doenças infecciosas. (Alguns arqueólogos entendem que foi a aglomeração, e não a agricultura, que promoveu essas doenças, mas isso é uma discussão do tipo "ovo-e-galinha", porque a aglomeração populacional estimulou a agricultura e vice-versa.) As epidemias não poderiam ganhar relevância enquanto as populações estavam dispersas em pequenos espaços geográficos, que constantemente trocavam de acampamentos. A tuberculose e as doenças diarréicas tiveram que aguardar a sedimentação da agricultura, o sarampo e a peste bubônica aguardaram o aparecimento das grandes cidades.

Além da desnutrição, da fome, e das doenças epidêmicas, a agricultura foi fundamental para originar outra maldição da humanidade: as divisões de classes. Os caçadores-coletores tinham pouco ou nenhum armazenamento de comida, como também não tinham fontes concentradas de alimentos, como um pomar ou um rebanho de bovinos: eles viviam do consumo de plantas e animais selvagens que eles procuravam a cada novo dia. Desse modo, não poderia haver nenhum rei, nenhuma classe de parasitas sociais que acumulassem gordura dos alimentos fornecidos pelos demais. Apenas uma população agrícola pode manter uma elite de membros saudáveis, não-produtores, vivendo em cima de massas populacionais pobres e enfermas. Os esqueletos das tumbas gregas em Micena, 1500 AC., sugerem que essa realeza apreciava uma dieta muito melhor que a dos demais cidadãos, uma vez que os esqueletos reais eram duas ou três polegadas mais altos e tinham dentes melhores (em média, uma ao invés de seis cavidades ou dentes perdidos). No meio das múmias chilenas, 1000 DC., a elite não seria distinguida apenas pelos ornamentos e pelos clipes de ouro de seus cabelos, mas também por uma taxa mais baixa (quatro vezes menor) de lesões ósseas causadas por doenças.

Os contrastes semelhantes em nutrição e saúde persistem em uma escala global hoje. Para os povos de países ricos, como dos Estados Unidos, soa ridículo exaltar as virtudes da caça e da coleta. Mas americanos são uma elite, dependentes do óleo e minerais que freqüentemente devem ser importados de países com baixas taxas de saúde e nutrição. Se alguém pudesse escolher entre ser um lavrador da Etiópia ou um bosquímano coletor de Kalahari, qual você imagina ser a escolha melhor?

A agricultura também pode ter promovido a desigualdade entre os sexos. Livres da necessidade de transportar seus bebês durante uma existência nômade, e sob a pressão de produzir mais mãos para o cultivo nos campos, as mulheres camponesas ficavam grávidas com mais frequência que as mulheres caçadoras-coletoras – com consequente prejuízo em sua saúde. Entre as múmias chilenas, por exemplo, mais mulheres que homens apresentavam lesões ósseas por doenças infecciosas. As mulheres nas sociedades agrícolas eram transformadas em bestas de carga. Na Nova Guiné, em suas comunidades agrícolas, eu frequentemente vejo mulheres que cambaleiam debaixo de cargas de legumes e lenha enquanto os homens caminham de mãos vazias. Uma vez, durante um estudo de campo sobre pássaros, eu ofereci pagamento para alguns aldeãos levar suprimentos de uma pista de vôo até meu acampamento na montanha. A carga mais pesada era uma bolsa de 110 libras (aprox.: 50 kg) de arroz, que eu atribuí a um grupo de quatro homens fazerem tal carregamento. Quando eu alcancei os aldeãos, descobri que os homens estavam levando cargas leves, enquanto uma pequena mulher, pesando menos que a carga de arroz, estava curvada debaixo da mesma, sustentando seu peso com uma corda ao redor de suas têmporas.

Em relação ao argumento de que a agricultura ensejou o florescer da arte nos fornecendo mais tempo para o lazer, os modernos caçadores-coletores têm pelo menos tanto tempo livre quanto os fazendeiros. A ênfase dedicada ao tempo de lazer, como um aspecto crítico, me parece equivocadamente compreendida. Os gorilas tem tido amplo tempo livre para construírem seu próprio Parthenon, quando quisessem. Enquanto os avanços tecnológicos pós-agrícolas permitiram o surgimento de novas formas de arte com mais facilidades para sua preservação, grandes pinturas e esculturas já estavam sendo produzidas pelos caçadores-coletores há 15.000 anos atrás, e continuam ainda sendo produzidas tão recentemente quanto nesse último século por tais povos, como os esquimós e os índios do Noroeste do Pacífico.

Deste modo, com o advento de agricultura a elite ficou em melhor situação, mas a maioria das pessoas ficou nas piores situações de existência. Em vez de se associar à linha partidária progressivista, de que nós escolhemos a agricultura porque ela é melhor para nós, deveríamos nos perguntar como fomos aprisionados por ela, apesar de suas armadilhas.

Uma resposta se resume ao provérbio "Poderia ser melhor." A agricultura poderia sustentar muito mais pessoas do que a caça, embora com uma qualidade mais pobre de vida. (As densidades populacionais de caçadores-coletores são raramente mais de uma pessoa por dez milhas quadradas, enquanto que entre os agricultores as densidades chegam a 100 vezes essa taxa.) Em parte, isto é devido ao fato de um campo estar completamente plantado com produtos comestíveis, permitindo alimentar muito mais bocas do que uma floresta com plantas comestíveis dispersas. Em parte, também, porque os nômades têm que manter suas proles espaçadas em intervalos de quatro anos, uma vez que uma mãe deve manter seus filhos até que sejam velhos o suficiente para acompanhar os adultos. Como mulheres agricultoras não têm tal fardo, elas podem, e frequentemente cuidam de uma nova criança a cada dois anos. Como as densidades das populações dos povos caçadores-coletores lentamente subiram no final das eras de gelo, os grupos tinham que escolher entre alimentar mais bocas assumindo os primeiros passos em direção à agricultura, ou então encontrar caminhos para limitar o crescimento. Alguns desses grupos escolheram essa nova solução, pois foram incapazes de prever os perigos da agricultura, sendo seduzidos pela abundância passageira que eles aproveitaram até que o crescimento da população ultrapassou a produção de alimentos. Tais grupos se miscigenaram, se espalharam por outros territórios, ou até mesmo mataram os grupos que escolheram permanecer como caçadores-coletores, porque cem agricultores mal nutridos podem ainda vencer um caçador saudável. Os caçadores-coletores não foram aqueles que abandonaram seu estilo de vida, mas aqueles que seriam sensatos o suficiente para não abandonar esse estilo de vida, seriam obrigados a abandonarem qualquer extensão de terra, exceto aquelas que os fazendeiros não desejassem.

Até então é instrutivo ressaltar uma acusação que é comumente dirigida à arqueologia, adjetivando-a de luxuriosa, por estar preocupada com o passado distante, sem oferecer lições para o presente. Os arqueólogos, estudando a consolidação da agricultura, reconstruíram uma fase crucial da história humana, etapa em que nós cometemos o pior engano de nossa história. Forçados a escolher entre limitar a população ou aumentar a produção de alimentos, nós escolhemos a segunda opção e fomos levados a mais fome, à guerra, e à tirania.

O caçador-coletor praticou o mais bem sucedido e mais prolongado estilo de vida da história da raça humana. Em contraste, nós estamos ainda lutando contra a bagunça que a agricultura nos ofereceu, e é ainda obscuro se nós poderemos resolvê-la. Suponha que um arqueólogo que visitou o espaço sideral estivesse tentando explicar a história humana para outros colegas do espaço. Ele poderia ilustrar os resultados de suas escavações através de um relógio de 24 horas, onde cada hora representa 100.000 anos de intervalo de tempo. Se a história da raça humana começou à meia-noite, então nós seríamos agora quase o final do nosso primeiro dia. Nós vivemos como caçador-coletor por quase todo esse dia, da meia-noite ao amanhecer, do meio-dia ao pôr-do-sol. Finalmente, às 23h:54m nós adotamos a agricultura. À medida que nossa segunda meia-noite se aproxima, o mal-estar de milhões de camponeses famintos e doentes alcançará a todos os demais? Ou nós, de alguma maneira alcançaremos as benções sedutoras que nós imaginamos advir da luminosa fachada da agricultura, e que até agora tem nos iludido?


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Título original em inglês: "The worst mistake in the history of human race".
(by Jared Diamond, University of California at Los Angeles (UCLA) Medical School)


sábado, 25 de janeiro de 2014

A SUSTENTABILIDADE ESTÁ DESTRUINDO A TERRA por Kim Hill


Não fale comigo sobre sustentabilidade. Você quer questionar a minha vida, o meu impacto, a minha pegada ecológica? Há um monstro de pé sobre nós, com uma pegada tão grande que pode pisar o planeta inteiro sob os pés, sem perceber ou se importar. Este monstro é a Civilização Industrial. Recuso-me a sustentar o monstro. Para a Terra viver, o monstro deve morrer. Esta é uma declaração de guerra.

O que estamos tentando sustentar? Um planeta vivo ou a civilização industrial? Não podemos ter os dois.

Em algum lugar ao longo de seu caminho, o movimento ambientalista – com base em um desejo de proteger a Terra - foi em grande parte engolido pelo movimento da sustentabilidade - baseado em um desejo de manter nosso estilo de vida confortável. Quando e por que isso aconteceu? E como é possível que ninguém tenha percebido? Esta foi uma mudança fundamental nos valores, indo de compaixão por todos os seres vivos e pela terra, para um desejo egoísta de se sentir bem em relação ao nosso modo de vida inerentemente destrutivo.

O movimento por sustentabilidade diz que nossa capacidade de suportar é de responsabilidade dos indivíduos, que devem fazer escolhas de estilo de vida no âmbito das estruturas da civilização. Alcançar uma cultura verdadeiramente sustentável por este meio é impossível. A infraestrutura industrial é incompatível com um planeta vivo. Para a vida na Terra sobreviver, as estruturas políticas e econômicas globais precisam ser destruídas.

Defensores da sustentabilidade nos dizem que reduzir nosso impacto, causar menos danos à Terra, é uma coisa boa a se fazer e que nos sentiremos bem com nossas ações. Eu discordo. Menos dano não é bom. Menos dano ainda é muito dano. A não ser que nenhum dano mais seja causado, por qualquer pessoa, não pode haver sustentabilidade. Sentir-se bem com pequenos atos não ajuda ninguém.

Apenas um quarto de todo o consumo é realizado por indivíduos. O resto é realizado pela indústria, agronegócio, exército, governos e corporações. Ainda que todos nós fizéssemos todo o esforço para reduzir nossa pegada ecológica, isso ainda faria apenas uma pequena diferença no consumo total.

Se as ações de estilo de vida defendidas realmente tivessem o efeito de manter nossa cultura de pé por mais tempo do que de outra forma, então elas iriam causar ainda mais dano ao mundo natural do que se tais medidas não fossem tomadas. Quanto mais tempo uma cultura destrutiva for sustentada, mais estrago ela causa. O título desse artigo não é apenas para chamar atenção e gerar polêmica, ele é, literalmente, o que está acontecendo.

Quando enquadramos o debate da sustentabilidade em torno da premissa de que as escolhas de estilo de vida dos indivíduos são a solução, então o inimigo se torna outros indivíduos que fizeram escolhas de vida diferentes e aqueles que não têm o privilégio de escolher. Enquanto isso o verdadeiro inimigo – a estrutura opressiva da civilização – está livre para continuar suas práticas destrutivas e assassinas sem nenhuma oposição. Essa não é uma maneira eficaz de criar um movimento social significativo. Dividir para ser conquistado.

A sustentabilidade é popular entre as corporações, mídia e governo porque ela se encaixa perfeitamente em seus objetivos. Mantêm o poder e o crescimento. Faz de você um bom rapaz. Faz com que as pessoas acreditem que elas têm poder quando na verdade não têm. Diz a todos para se manterem calmos e seguirem comprando. Controla a linguagem que é usada para debater as questões. Ao criar e reforçar a crença de que votar em pequenas mudanças e comprar mais coisas irá resolver todos os problemas, aqueles que estão no poder têm uma estratégia altamente efetiva para manter o crescimento econômico e a democracia controlada pelas corporações.

Aqueles que estão no poder mantêm as pessoas acreditando que a única maneira que temos de mudar qualquer coisa é dentro das estruturas que eles mesmo criaram. Eles constroem essas estruturas de forma que as pessoas nunca possam mudar qualquer coisa dentro delas. Voto, petições e manifestações todas essas práticas reforçam as estruturas de poder e nunca poderão fazer mudanças significativas sozinhas. Essas táticas dão uma escolha para as corporações e governos. Estamos dando àqueles que estão no poder a escolha de aceitar ou recusar nosso pedido por reformas mínimas. Animais em fazendas industriais não têm escolha. Milhões de pessoas que trabalham suando em fábricas na maior parte do mundo não têm escolha. As 200 espécies que foram extintas hoje também não tiveram escolha. E ainda assim damos uma escolha aos responsáveis por todos esses assassinatos e sofrimento. Estamos colocando os desejos de uma minoria rica acima das necessidades da vida na Terra.

A maioria das ações mais populares que os defensores propõem para alcançar a sustentabilidade não têm efeito real, e algumas ainda causam mais danos do que benefícios. As estratégias incluem reduzir o consumo de energia elétrica, reduzir o uso de água, criar uma economia verde, reciclagem, construções sustentáveis e fontes de energia eficientes e renováveis.

Energia elétrica

Nos dizem para reduzirmos nosso consumo de energia elétrica ou obtê-la a partir de fontes alternativas. Isso não fará nenhuma diferença para a sustentabilidade de nossa cultura como um todo, porque a rede elétrica é inerentemente insustentável. Nenhuma quantidade de redução ou as auto-intituladas fontes renováveis de energia vão mudar isso. Mineração para produzir fios elétricos, componentes, dispositivos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, usinas geotérmicas, fornos de biomassa, hidrelétrica e qualquer outra coisa que seja ligada à rede elétrica, são todas insustentáveis. A fabricação de todas essas coisas, com toda a exploração humana, poluição, desperdício, impactos na saúde e na sociedade geram lucros corporativos. Combustíveis fósseis são necessários para manter todos esses processos em andamento. Insustentável. Nenhuma quantidade de escolhas individuais de estilo de vida com relação ao uso e produção de energia elétrica vai mudar isso. Energia elétrica fora da rede elétrica também não é diferente – ela precisa de baterias e inversores.

Conservação da água

Banhos mais curtos. Chuveiros de baixo fluxo. Restrições ao uso de água. Tudo isso é exaltado como se pudessem fazer A diferença. Enquanto toda a infraestrutura que fornece essa água – grandes barragens, dutos de longa distância, bombas, esgotos, fossas – é totalmente insustentável.

Barragens destroem a vida de uma bacia hidrográfica inteira. É como bloquear uma artéria, impedindo que o sangue flua para seus membros. Ninguém pode sobreviver a isso. Rios morrem quando os peixes são impedidos de viajar de lá para cá neles. Toda a comunidade natural à que esses peixes pertencem morre, tanto a montante quanto à jusante da barragem.

Barragens causam um rebaixamento do nível de água, tornando impossível para que as raízes das árvores cheguem à água. Zonas alagadas dependem de alagamentos sazonais e colapsam quando barragens acima do rio impedem isso. Resultam em erosão do fundo e das margens. A decomposição anaeróbica de matéria orgânica em barragens libera metano para a atmosfera.

Não importa o quão eficientemente você usa sua água, essa infraestrutura nunca será sustentável. Isso precisa ser destruído para permitir que essas comunidades se regenerem.

Economia verde

Empregos verdes. Produtos verdes. Uma economia sustentável. Não. Esse tipo de coisa não existe. A totalidade da economia global é insustentável. A economia funciona com a destruição do mundo natural. A Terra é tratada como nada mais do que combustível para o crescimento econômico. Chamam isso de recursos naturais. E a escolha de algumas pessoas por se retirar dessa economia não faz diferença. Enquanto essa economia existir, não haverá sustentabilidade.

Enquanto qualquer uma dessas estruturas existir: energia elétrica, redes de fornecimento de água, economia globalizada, agricultura industrial – não haverá sustentabilidade. Para alcançar uma verdadeira sustentabilidade, essas estruturas precisam ser desmontadas.

O que é mais importante para você – sustentar um estilo de vida confortável por mais algum tempo ou a continuação da vida na Terra, para as comunidades naturais que ainda restam e para as futuras gerações?

Reciclagem

Somos levados a acreditar que comprar um determinado produto é bom porque a embalagem pode ser reciclada. Você pode optar por jogar ela em uma lixeira colorida. Não importa que ecossistemas frágeis estejam sendo destruídos, comunidades indígenas sendo deslocadas, pessoas em lugares distantes precisem trabalhar em condições de escravidão, que rios sejam poluídos, tudo só para que essa embalagem exista. Não importa que ela seja reciclada para se tornar outro produto inútil que irá, em seguida, para o lixão. Não importa que para reciclar isso seja necessário transportá-la para longe, usando maquinário que funciona com energia elétrica e combustíveis fósseis, causando poluição e desperdício. Não importa que se você colocar algo na lixeira com a cor errada, toda a carga vai para um lixão devido à contaminação.

Construções sustentáveis

Princípios da construção sustentável: construir mais casas, mesma que já existam casas perfeitamente boas suficiente para todos morar. Limpar a terra para construir casas, destruindo cada coisa viva que antes vivia nessa comunidade natural. Construir com madeira proveniente de florestas plantadas, que exige que as florestas nativas sejam exterminadas para que possam ser substituídas por uma monocultura de pinos onde nada mais pode viver. Usar materiais de construção que são um pouco menos prejudiciais do que outros materiais. Convencer as pessoas de que tudo isso é benéfico para a Terra.

Painéis solares

Painéis solares. A mais recente onda na moda da sustentabilidade. E no verdadeiro estilo sustentável, incrivelmente destrutivos para a vida na Terra. De onde vêm essas coisas? Você deveria acreditar que eles são feitos do nada, uma fonte de energia livre e não poluente.

Se você ousar perguntar de onde vêm os painéis solares, e como eles são feitos, não será difícil descobrir a verdade. Painéis solares são feitos de metais, plásticos, terras raras, componentes eletrônicos. Eles exigem mineração, fabricação, guerra, desperdício, poluição. Milhões de toneladas de chumbo são despejadas em rios e terras agrícolas em torno das fábricas de painéis solares na China e na Índia, causando problemas de saúde para os humanos e para as comunidades naturais que ali vivem. O polisilicone é outro produto residual venenoso e poluente que é despejado na China. A produção de painéis solares faz com que trifluoreto de nitrogênio (NF3) seja emitido para a atmosfera. Esse gás tem 17.000 vezes o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono.

As terras raras vêm da África, e guerras estouram pelo direito de escavar suas minas. Pessoas estão sendo mortas para que você tenha a sua confortável Sustentabilidade. Os painéis são fabricados na China. As fábricas emitem tanta poluição que as pessoas que vivem nas proximidades ficam doentes. Lagos e rios morrem com a poluição. Essas pessoas não podem beber a água, respirar o ar ou cultivar a terra, como resultado direto da fabricação de painéis solares. Sua sustentabilidade é tão popular na China que os aldeões mobilizam-se em massa em protesto contra a fabricação desses painéis. Eles estão se unindo para invadir as fábricas e destruir os equipamentos, forçando as fábricas a fechar. Eles valorizam suas vidas mais do que a sustentabilidade dos ricos.

Painéis duram cerca de 30 anos, então vão direto para o lixão. Mais poluição, mais lixo. Algumas partes dos painéis solares podem ser recicladas, mas outras não, e ainda têm o bônus de serem altamente tóxicas. Para serem reciclados, os painéis solares precisam ser enviados para países onde trabalhadores de baixa renda são expostos a substâncias tóxicas no processo de desmontagem. O próprio processo de reciclagem requer energia e transporte, além de gerar produtos residuais.

A indústria de painéis solares é encabeçada pela Siemens, Samsung, Bosch, Sharp, Mitsubishi, BP, Sanyo, entre outros. É para eles que as isenções fiscais para painéis solares e as contas para energia verde estão indo.

Energia eólica

O processamento de metais lantanídeos (terras raras) necessário para a produção de imãs para as turbinas eólicas acontece na China, onde as pessoas das aldeias vizinhas lutam para respirar o ar altamente poluído. Um lago de cinco milhas de largura de lodo tóxico e radioativo agora toma o lugar de suas terras.

Cadeias de montanhas inteiras são destruídas para a extração dos metais. Florestas são derrubadas para erguer turbinas eólicas. Milhões de aves e morcegos são mortos pelas lâminas. A saúde de pessoas que vivem perto das turbinas é afetada pelos ruídos.

Como o vento é uma fonte de energia inconsistente e imprevisível, é necessário um gás de back-up para disparar a fonte de alimentação. Como o sistema de back-up só funciona de forma intermitente, é menos eficiente, por isso produz mais CO2 do que se ele estivesse sendo executado constantemente, se não houvesse turbinas. A energia eólica soa muito bem na teoria, mas não funciona na prática. Outro produto inútil que não beneficia ninguém, a não ser os acionistas.

Eficiência energética

E se nós melhorarmos a eficiência energética? Isso não pode reduzir a poluição e o consumo de energia? Bem, não. Muito pelo contrário. Você já ouviu falar do paradoxo de Jevon? Ou do postulado de Khazzoom-Brookes? Estes afirmam que os avanços tecnológicos para aumentar a eficiência levam a um aumento no consumo de energia, não a uma diminuição. Eficiência faz com que mais energia esteja disponível para outros fins. Quanto mais eficiente nos tornarmos no consumo, mais nós consumiremos. Quanto mais eficientemente trabalharmos, mais trabalho será realizado. E estamos trabalhando com eficiência em enterrar nós mesmos em um buraco.

Economia de oferta e procura

Muitas ações tomadas em nome da sustentabilidade podem ter o efeito oposto. Aqui está algo para refletir: a decisão de uma pessoa de não fazer viagens aéreas, por causa da preocupação com a mudança climática ou a sustentabilidade, não terá qualquer impacto. Se algumas pessoas pararem de fazer viagens aéreas, as companhias aéreas vão reduzir os seus preços, e amplificar sua comercialização, e mais pessoas vão poder fazer viagens aéreas. E porque eles estão fazendo isso a preços mais baixos, a companhia aérea tem de fazer mais vôos para alcançar o lucro que tinha antes. Mais vôos, mais emissões de carbono. E se a indústria enfrentar problemas financeiros, como resultado da demanda reduzida, ela será socorrida pelos governos. Esta estratégia de "escolher recusar" não pode vencer.

A decisão de não fazer viagens aéreas não está fazendo nada para reduzir a quantidade de carbono que está sendo emitida, só faz com que você não esteja participando neste caso. E qualquer pequena redução na quantidade de carbono emitido não faz nada para deter as mudanças climáticas.

Para realmente ter um impacto no clima global, vamos precisar impedir cada avião e cada máquina que queima combustíveis fósseis de operar novamente. E parar cada máquina que queima combustíveis fósseis está longe de ser o objetivo impossível que pode parecer. Não vai ser fácil, mas é definitivamente possível. E não é apenas desejável, mas essencial para que a vida neste planeta sobreviva.

O mesmo vale para qualquer outro produto destrutivo que podemos optar por não comprar. Carne de criadouros industriais, óleo de palma, madeira da floresta, alimentos processados. Enquanto houver produtos a serem vendidos, haverá compradores. A tentativa de reduzir a procura terá pouco, se algum, efeito. Haverá sempre mais produtos que chegando aos mercados. Campanhas para reduzir a demanda de produtos individuais nunca serão capazes de manterem-se. E a cada novo produto, a crença de que este é uma necessidade, não um luxo, se torna cada vez mais forte. Posso convencê-lo a não comprar um smartphone, um laptop, um café? Duvido.

Para interromper a devastação, precisamos cortar permanentemente o fornecimento de tudo o que a produção exige. E visar empresas ou práticas individuais não terá qualquer impacto sobre as estruturas de poder globais que se alimentam da destruição da Terra. Toda a economia global precisa ser levada à um impasse.

O que você realmente quer?

O que é mais importante – energia sustentável para você assistir TV, ou a vida dos rios, florestas, oceanos e animais do mundo? Será que você pode viver sem isso, sem a Terra? Mesmo se isso fosse uma opção, se você não estivesse fortemente ligado na interconectada teia da vida, você realmente preferiria ter eletricidade para suas luzes, computadores e equipamentos, em vez de compartilhar o êxtase de estar com toda a vida na Terra? Um mundo sem vida, governado por máquinas, é realmente o que você quer?

Se conseguir o que você quer requer a destruição de tudo que você precisa - ar e água limpos, comida e comunidades naturais - então você não vai durar muito tempo, e nem ninguém.

Eu sei o que eu quero. Eu quero viver em um mundo que está se tornando cada vez mais vivo. Um mundo em regeneração da destruição, onde todos os anos há mais peixes, aves, árvores e diversidade do que no ano anterior. Um mundo onde eu possa respirar o ar, beber dos rios e comer da terra. Um mundo onde os humanos vivem em comunidade com toda a vida.

A tecnologia industrial não é sustentável. A economia mundial não é sustentável. Valorizar a Terra apenas como um recurso para os seres humanos explorar não é sustentável. A civilização não é sustentável. Se a civilização entrasse em colapso hoje, ainda seria 400 anos antes da existência humana no planeta tornar-se verdadeiramente sustentável. Então, se é sustentabilidade genuína que você quer, destrua a civilização hoje, e continue trabalhando para regenerar a Terra por 400 anos. Este é mais ou menos o tempo que levamos para criar as estruturas destrutivas em que vivemos hoje, então é claro que vai demorar pelo menos esse tempo para substituir estas estruturas por alternativas que beneficiem toda a vida na Terra, e não apenas a minoria rica. Isso não vai acontecer imediatamente, mas isso não é motivo para não começar.

Você pode dizer, vamos apenas abandonar a civilização, construir alternativas, e deixar todo o sistema apenas desmoronar quando ninguém mais prestar qualquer atenção nele. Eu costumava gostar dessa idéia também. Mas isso não funciona. Quem está no poder usa as armas do medo e da dívida para manter seu controle. A maioria das pessoas do mundo não têm a opção de abandonar isso. Seu medo e dívida os mantém trancados na prisão da civilização. Seu abandono não pode ajudá-los. A destruição da estrutura dessa prisão pode.

Nós não temos tempo para esperar o colapso da civilização. Noventa por cento dos grandes peixes nos oceanos desapareceram. 99% das florestas antigas foram destruídas. Todos os dias mais de 200 espécies são extintas, para sempre. Se esperarmos mais, não haverá peixes, nem florestas, nem vida em qualquer lugar na Terra.

O que você pode fazer?

Espalhe a mensagem. Confronte as crenças dominantes. Compartilhe esse artigo com todos que você conhece.

Escute a Terra. Vá conhecer seus vizinhos não-humanos. Cuidem um do outro. Aja coletivamente, não individualmente. Construa alternativas, como economias de dádiva, sistemas policultores de cultivo de alimentos, educação alternativa e governança comunitária. Crie uma cultura de resistência.

Ao invés de tentar reduzir a demanda dos produtos de um sistema destrutivo, corte o fornecimento. A economia é o que está destruindo o planeta, então pare a economia. A economia global é dependente de um fornecimento constante de energia elétrica, por isso pará-la é (quase) tão fácil quanto desligar um interruptor.

Os governos e a indústria nunca vão fazer isso por nós, não importa o quão gentilmente pedirmos, ou quão firmemente pressionarmos. Cabe a nós defender a terra da qual nossas vidas dependem.

Nós não podemos fazer isso como consumidores, ou trabalhadores, ou cidadãos. Precisamos agir como seres humanos, que valorizam a vida mais do que consumir, trabalhar e reclamar do governo.

Nas palavras de Lierre Keith, co-autora do livro Deep Green Resistance, "A tarefa de um ativista não é navegar por sistemas de poder opressivo com o máximo de integridade pessoal possível, é destruir esses sistemas."

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Conheça o movimento ambientalista radical Deep Green Resistance: DGR website

Autor: Kim Hill

Tradução: Carlos Teixeira

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

ATINJA ONDE DÓI por Ted Kackzynski



O propósito deste artigo

O propósito deste artigo é apontar um princípio muito simples do conflito humano, um princípio que os oponentes do sistema tecno-industrial parecem estar negligenciando. O princípio é o de que em qualquer forma de conflito, se você quer vencer, você deve atingir seu adversário aonde dói.

Eu tenho que explicar que quando eu falo sobre "atingir aonde dói" eu não estou necessariamente me referindo a golpes físicos ou a qualquer outra forma de violência física. Por exemplo, em um debate oral, "atingir aonde dói" significaria fazer argumentos do qual a posição do seu oponente é a mais vulnerável. Em uma eleição presidencial, "atingir aonde dói" significaria ganhar do seu oponente os estados que tiverem o maior número de votos. Mesmo assim, ao discutir este princípio eu irei utilizar a analogia de um combate físico, porque é vívido e claro.

Se uma pessoa te dá um murro, você não pode se defender atingindo de volta no punho dela, porque você não conseguirá ferir a pessoa dessa forma. Para você vencer a luta, você deve atingir a pessoa aonde dói. Isso significa que você deve passar por trás do punho e atingir as partes sensíveis e vulneráveis do corpo da pessoa.

Suponha que uma escavadeira pertencente a uma madeireira esteja destruindo a mata perto de sua casa e você quer parar com isso. É a lâmina da escavadeira que rasga a terra e derruba as árvores, mas seria uma perda de tempo pegar uma marreta e atingir a lâmina. Se você gastar um longo e duro dia marretando a lâmina, você pode até conseguir danificar a lâmina o suficiente para que ela fique inutilizável. Mas, em comparação com o resto da escavadeira, a lâmina é relativamente barata e fácil de substituir. A lâmina é apenas o "punho" em que a escavadeira atinge a terra. Para derrotar a máquina você deve passar por trás do "punho" e atacar as partes vitais da escavadeira. O motor, por exemplo, pode ser arruinado com muito pouco tempo e esforço por meios bem conhecidos por muitos radicais.

Neste ponto eu devo deixar claro que eu não estou recomendando que alguém deva danificar uma escavadeira (ao menos que seja propriedade sua). Nem qualquer outra coisa neste artigo deve ser interpretada como recomendando atividade ilegal de qualquer tipo. Eu sou um prisioneiro, e se eu fosse encorajar atividade ilegal esse artigo nem sairia da prisão. Eu uso a analogia da escavadeira somente porque é claro e vívido e será apreciado por radicais.

A tecnologia é o alvo

É amplamente reconhecido que "a variável básica que determina o processo histórico contemporâneo é o resultado do desenvolvimento tecnológico" (Celso Furtado). A tecnologia, acima de tudo, é responsável pela atual condição do mundo e irá controlar o seu desenvolvimento futuro. Portanto, a escavadeira que nós temos que destruir é a tecnologia moderna em si. Muitos radicais estão conscientes disso, e sabem então que suas tarefas são eliminar todo o sistema tecno-industrial. Mas infelizmente eles têm prestado pouca atenção para a necessidade de atingir o sistema aonde dói.

Destruir o McDonald's ou o Starbuck's é inútil. Não que eu me importe com o McDonald's ou o Starbuck's. Eu não me importo se alguém os destrói ou não. Mas isso não é uma atividade revolucionária. Mesmo se cada rede de fast-food no mundo fosse arrasada o sistema tecno-industrial sofreria danos mínimos como resultado, já que ele consegue sobreviver facilmente sem redes de fast-food. Quando você ataca o McDonald's ou o Starbuck's, você não está atingindo aonde dói.

Alguns meses atrás eu recebi uma carta de um jovem na Dinamarca que acreditava que o sistema tecno-industrial tinha que ser eliminado porque, em suas palavras, "O que acontecerá se continuarmos dessa forma?" Entretanto, aparentemente sua forma de atividade "revolucionária" era atacar fazendas de peles. Como um meio de enfraquecer o sistema tecno-industrial essa atividade é totalmente inútil. Mesmo se os libertadores de animais tivessem êxito em eliminar completamente a indústria de peles eles não causariam qualquer dano ao sistema, porque o sistema consegue se manter perfeitamente sem peles.
Eu concordo que manter animais selvagens em gaiolas é intolerável, e pôr um fim a tais práticas é uma causa nobre. Mas existem muitas outras causas nobres, como prevenir acidentes de trânsito, prover abrigo para os moradores de rua, reciclagem, ou ajudar pessoas velhas atravessar a rua. Mesmo assim ninguém é tolo o bastante para confundir essas atividades com atividades revolucionárias, ou imaginar que elas fazem algo para enfraquecer o sistema.

A indústria madeireira é um caso à parte

Como outro exemplo, ninguém em sã consciência acredita que qualquer coisa em relação à natureza selvagem conseguirá sobreviver por muito tempo se o sistema tecno-industrial continuar a existir. Muitos radicais ambientalistas concordam que esse é o caso e esperam que o sistema entre em colapso. Mas na prática tudo o que eles fazem é atacar a indústria madeireira.

Eu certamente não tenho objeção aos seus ataques à indústria madeireira. Na verdade, é um assunto que está próximo do meu coração e fico contente por qualquer sucesso que os radicais podem ter contra a indústria madeireira. Mais ainda, por razões que eu preciso explicar aqui, eu penso que a oposição à indústria madeireira deva ser um componente dos esforços para acabar com o sistema.

Mas, por ela mesma, atacar a indústria madeireira não é um modo eficiente de ir contra o sistema, porque mesmo que os radicais consigam parar todo o desmatamento em todo o mundo, isso não iria destruir o sistema. E não iria salvar permanentemente a natureza selvagem. Cedo ou tarde o clima político mudaria e o desmatamento recomeçaria. Mesmo que o desmatamento não recomeçasse, existiriam outras formas nas quais a natureza selvagem seria destruída, ou se não destruída ao menos domada e domesticada. Mineração, chuva ácida, mudanças climáticas e extinção de espécies destroem a natureza selvagem; a natureza selvagem é domada e domesticada por recreação, estudo científico, e gerenciamento de recursos, incluindo entre outras coisas, rastreamento eletrônico de animais, barragem de córregos para a criação de peixes, e plantio de árvores geneticamente modificadas.

A natureza selvagem só pode ser salva permanentemente eliminando o sistema tecno-industrial, e você não consegue eliminar o sistema atacando a indústria madeireira. O sistema sobreviveria facilmente à morte da indústria madeireira porque produtos de madeira, apesar de muito úteis ao sistema, podem se necessário, serem substituídos por outros materiais.
Consequentemente, quando você ataca a indústria madeireira, você não está atingindo o sistema aonde dói. A indústria madeireira é apenas o "punho" (ou um dos punhos) no qual o sistema destrói a natureza selvagem, e, como em uma luta de punhos, você não consegue vencer atingindo o punho. Você tem que passar por trás do punho e atingir os órgãos mais vitais e sensíveis do sistema. Por meios legais, é claro, como protestos pacíficos.

Porque o sistema é forte

O sistema tecno-industrial é excepcionalmente forte devido a sua chamada estrutura "democrática” e sua flexibilidade resultante. Devido ao fato de que sistemas ditatoriais tendem a ser rígidos, tensões sociais e resistências podem crescer ao ponto em que elas danificam e enfraquecem o sistema e podem levar à revolução. Mas em um sistema "democrático", quando a tensão social e a resistência crescem perigosamente, o sistema cede o suficiente, ele abre mão o suficiente, para baixar as tensões a um nível seguro.

Durante os anos de 1960 as pessoas começaram a se dar conta que a poluição ambiental era um problema sério, mais ainda porque a sujeira visível e cheirável no ar sobre nossas grandes cidades estavam começando a deixar as pessoas desconfortáveis. Protestos apareceram e uma Agência de Proteção Ambiental foi criada e outras medidas foram tomadas para aliviar o problema. É claro que todos sabemos que nossos problemas de poluição estão a um longo, longo caminho de serem resolvidos. Mas o suficiente foi feito para que as queixas do público abaixassem e a pressão no sistema fosse reduzida por muitos anos.

Portanto, atacar o sistema é como atacar um pedaço de borracha. Um golpe de martelo pode estilhaçar ferro fundido, porque ferro fundido é rígido e frágil. Mas você pode golpear um pedaço de borracha sem danificá-lo porque ele é flexível: Ele cede espaço diante de um protesto, só o suficiente para que o protesto perca sua força e impulso. E então o sistema cresce de volta.

Então, para atingir o sistema aonde dói, você deve selecionar os assuntos pelos quais o sistema não irá ceder, pelos quais ele irá lutar até o fim. O que você precisa não é um acordo com o sistema, mas uma luta de vida ou morte.

É inútil atacar o sistema em termos de seus próprios valores

É absolutamente essencial atacar o sistema não em termos de seus próprios valores tecnologicamente-orientados, mas em termos de valores que são inconsistentes com os valores do sistema. Enquanto você atacar o sistema em termos de seus próprios valores, você não atinge o sistema aonde dói, e você permite que o sistema reduza o protesto abrindo caminho, recuando.

Por exemplo, se você ataca a indústria madeireira primeiramente com base em que florestas são necessárias para preservar recursos naturais e oportunidades recreativas, então o sistema pode ceder para neutralizar o protesto sem comprometer seus próprios valores: recursos de água e recreação são totalmente consistentes com os valores do sistema, e se o sistema recua, se ele restringe o corte de árvores em nome de recursos hídricos e recreação, então ele apenas faz um recuo tático e não sofre uma derrota estratégica em seu código de valores.

Se você empurra questões vitimizadoras (como o racismo, sexismo, homofobia, ou pobreza) você não está desafiando os valores do sistema e você não está nem ao menos forçando o sistema a recuar ou ceder. Você está ajudando o sistema diretamente. Todos os proponentes mais sábios do sistema reconhecem que o racismo, sexismo, homofobia, e pobreza são prejudiciais ao sistema, e é por isso que o próprio sistema trabalha para combater estas e outras formas similares de vitimização.

"Estabelecimentos escravizantes" com seus baixos salários e condições de trabalho miseráveis, podem dar lucro para certas corporações, mas proponentes sábios do sistema sabem muito bem que o sistema como um todo funciona melhor quando trabalhadores são tratados decentemente. Ao questionar estabelecimentos escravizantes, você está ajudando o sistema, e não o enfraquecendo.

Muitos radicais caem na tentação de focarem-se em questões não essenciais como racismo, sexismo e estabelecimentos escravizantes porque é fácil. Eles escolhem um problema do qual o sistema pode firmar um acordo e o qual vão receber apoio de pessoas como Ralph Nader, Winona La Duke, as uniões trabalhistas, e todos os outros comunistas partidários. Talvez o sistema, sob pressão, irá recuar um pouco, os ativistas irão ver algum resultado visível de seus esforços, e eles terão a ilusão satisfatória de que conseguiram algo. Mas na verdade eles não conseguiram nada em relação a eliminar o sistema tecno-industrial.

A questão da globalização não é completamente irrelevante para o problema da tecnologia. O pacote de medidas políticas e econômicas denominado "globalização" promove o crescimento econômico e, consequentemente, o progresso tecnológico. Mesmo assim, a globalização é uma questão de importância mínima e não um alvo bem escolhido de revolucionários. O sistema pode ceder espaço na questão da globalização. Sem abandonar a globalização por completo, o sistema pode tomar medidas para mitigar as consequências econômicas e ambientais negativas da globalização para neutralizar os protestos. Por quase nada, o sistema poderia até mesmo arcar em desistir totalmente da globalização. O crescimento e progresso mesmo assim continuariam, apenas em um ritmo mais lento. E quando você luta contra a globalização você não está atacando os valores fundamentais do sistema. A oposição à globalização é motivada nos termos de assegurar salários decentes para trabalhadores e proteger o meio ambiente, ambos dos quais são completamente consistentes com os valores do sistema. O sistema, para sua própria sobrevivência, não pode deixar a degradação ambiental aumentar demais. Consequentemente, ao lutar contra a globalização você não atinge o sistema aonde realmente dói. Seus esforços podem promover a reforma, mas elas são inúteis no propósito de abolir o sistema tecno-industrial.

Radicais devem atacar o sistema em pontos decisivos

Para trabalhar efetivamente em direção à eliminação do sistema tecno-industrial, os revolucionários devem atacar o sistema em pontos dos quais o sistema não pode ceder. Eles devem atacar os órgãos vitais do sistema. É claro, quando eu uso a palavra "atacar", eu não estou me referindo a ataque físico, mas somente formas legais de protesto e resistência.

Alguns exemplos de órgãos vitais do sistema são:

A. A indústria de energia elétrica. O sistema é totalmente dependente de sua rede elétrica.
B. A indústria de comunicações. Sem comunicações rápidas, como por telefone, rádio, televisão, e-mail, e assim por diante, o sistema não sobreviveria.

C. A indústria de computação. Todos nós sabemos que sem os computadores o sistema iria prontamente entrar em colapso.

D. A indústria de propaganda. A indústria de propaganda inclui a indústria do entretenimento, o sistema educacional, o jornalismo, a publicidade, as relações públicas, além da política e da indústria de saúde. O sistema não funciona ao menos que as pessoas sejam suficientemente dóceis e conformistas e tenham atitudes que o sistema necessita que tenham. É função da indústria de propaganda ensinar as pessoas esse tipo de pensamento e comportamento.

E. A indústria de biotecnologia. O sistema ainda não está (até onde eu saiba) fisicamente dependente da biotecnologia avançada. No entanto, o sistema não pode deixar de lado a questão da biotecnologia, que é uma questão criticamente importante para o sistema, como eu irei argumentar logo.

Novamente: Quando você ataca esses órgãos vitais do sistema, é essencial não atacá-los em termos dos próprios valores do sistema, mas em termos de valores inconsistentes com aqueles do sistema. Por exemplo, se você ataca a indústria de energia elétrica com base em que ela polui o meio ambiente, o sistema pode neutralizar o protesto desenvolvendo métodos mais limpos de geração de eletricidade. Se o pior acontecesse, o sistema poderia até mesmo mudar totalmente para a energia eólica e solar. Isso pode ajudar bastante para reduzir danos ambientais, mas não ajudaria a pôr um fim ao sistema tecno-industrial. Nem iria representar uma derrota para os valores fundamentais do sistema. Para conseguir qualquer coisa contra o sistema você deve atacar toda a geração de energia elétrica como uma questão de princípio, com base em que a dependência em eletricidade faz as pessoas dependentes do sistema. Isso é um fundamento incompatível com os valores do sistema.

A biotecnologia pode ser o melhor alvo para ataque político

Provavelmente o alvo mais promissor para ataque político é a indústria da biotecnologia. Apesar do fato de que revoluções são geralmente conduzidas por minorias, é muito útil ter algum grau de apoio, simpatia, ou pelo menos consentimento da população geral. Se você concentrasse, por exemplo, seu ataque político na indústria de energia elétrica, seria extremamente difícil conseguir qualquer tipo de apoio além de uma minoria radical, porque a maioria das pessoas resistem a mudanças em seus estilos de vida, especialmente qualquer mudança que seja inconveniente para elas. Por essa razão, poucos estariam dispostos a abandonar a eletricidade.

Mas as pessoas ainda não se sentem dependentes da biotecnologia avançada como elas se sentem com a eletricidade. Eliminar a biotecnologia não irá mudar radicalmente suas vidas. Pelo contrário, seria possível mostrar às pessoas que o desenvolvimento contínuo da biotecnologia irá transformar seus modos de vida e acabar com valores humanos antigos. Portanto, ao desafiar a biotecnologia, os radicais devem conseguir mobilizar a seu próprio favor a resistência humana natural por mudanças.

E a biotecnologia é uma questão da qual o sistema não pode perder. É uma questão da qual o sistema terá que lutar até o fim, o que é exatamente o que precisamos. Mas - para repetir mais uma vez - é essencial atacar a biotecnologia não em termos dos próprios valores do sistema, mas em termos de valores inconsistentes com daqueles do sistema. Por exemplo, se você atacar a biotecnologia, primeiramente com base em que ela pode causar danos ao meio ambiente, ou que alimentos geneticamente modificados podem ser prejudicais à saúde, então o sistema pode e irá amortecer seu ataque cedendo ou recuando - por exemplo, introduzindo maior supervisão em pesquisas genéticas e mais testes e regulamentos rigorosos de plantações geneticamente modificadas. A ansiedade das pessoas irá então acalmar e o protesto irá enfraquecer.

Toda a biotecnologia deve ser atacada como uma questão de princípio

Então, ao invés de protestar contra uma ou outra consequência negativa da biotecnologia, você deve atacar toda a biotecnologia moderna como princípio, com base em por exemplo: (a) que é um insulto a todas as coisas vivas; (b) que ela põe muito poder nas mãos do sistema; (c) que ela irá transformar radicalmente valores humanos fundamentais que têm existido por milhares de anos; e fundamentos similares que são inconsistentes com os valores do sistema.

Em resposta a esse tipo de ataque o sistema terá que levantar e lutar. Ele não possui recursos para se proteger do seu ataque cedendo em qualquer nível que seja, porque a biotecnologia é muito central para todo o empreendimento do progresso tecnológico, e porque ao ceder, o sistema não estará fazendo apenas um recuo tático, mas estará levando uma grande derrota estratégica em seu código de valores. Esses valores estariam minados e a porta estaria aberta para ataques políticos que poderiam destruir as fundações do sistema.

É verdade que a Casa dos Representantes dos EUA recentemente votou para banir a clonagem de seres humanos, e pelo menos alguns congressistas até tinham os tipos de razões certas para isso. As razões que eu li estavam enquadradas em termos religiosos, mas seja o que for o que você pensa sobre os termos religiosos envolvidos, essas razões não eram razões tecnologicamente aceitáveis. E é isso o que importa.

Portanto, os votos dos congressistas sobre clonagem humana foi uma derrota genuína para o sistema. Mas ela foi apenas uma derrota muito, muito pequena, por causa da área estreita da proibição - apenas uma minúscula parte da biotecnologia foi afetada - e já que de qualquer forma para o futuro próximo a clonagem de seres humanos seria de pouco uso prático para o sistema. Mas a ação da Casa dos Representantes sugere que isso pode ser um ponto do qual o sistema é vulnerável, e que um ataque mais amplo em toda a biotecnologia pode causar um dano severo no sistema e em seus valores.

Os radicais ainda não estão atacando a biotecnologia efetivamente

Alguns radicais atacam a biotecnologia, tanto politicamente quanto fisicamente, mas até aonde eu saiba eles explicam sua oposição à biotecnologia em termos dos próprios valores do sistema. Ou seja, suas queixas principais são os riscos de danos ambientais e de ser prejudicial à saúde.

E eles não estão atingindo a indústria da biotecnologia aonde dói. Utilizando uma analogia de combate físico novamente, suponha que você tenha que se defender contra um polvo gigante. Você não poderia contra-atacar efetivamente golpeando as pontas de seus tentáculos. Você tem que atingir na cabeça. Do que eu li de suas atividades, os radicais que trabalham contra a biotecnologia ainda não fazem mais do que golpear as pontas dos tentáculos do polvo. Eles tentam persuadir fazendeiros comuns, individualmente, de não plantarem sementes geneticamente modificadas. Mas existem milhares de fazendas na América, e então persuadir fazendeiros individualmente é um modo extremamente ineficiente para combater a engenharia genética. Seria muito mais eficaz persuadir cientistas que atuam trabalhando em pesquisas biotecnológicas, ou executivos de empresas como a Monsanto, a saírem da indústria biotecnológica. Bons cientistas pesquisadores são pessoas que possuem talentos especiais e treinamento extensivo, e por isso eles são difíceis de substituir. O mesmo é verdade de altos executivos Corporativos. Persuadir somente um pouco dessas pessoas a saírem da biotecnologia causaria mais dano à indústria da biotecnologia do que persuadir mil fazendeiros a não plantarem sementes geneticamente modificadas.

Atinja aonde dói


Está aberta a argumentação se eu estou certo em pensar que a biotecnologia é a melhor questão a qual atacar o sistema politicamente. Mas está além da argumentação de que os radicais atualmente estão gastando muito de suas energias em questões que têm pouca ou nenhuma relevância para a sobrevivência do sistema tecnológico. E mesmo quando eles dirigem-se às questões certas, os radicais não atingem aonde dói. Então ao invés de correrem para a próxima cúpula mundial do comércio para perderem a calma e terem ataques de raiva sobre a globalização, os radicais deveriam gastar mais tempo pensando em como atingir o sistema onde realmente dói. Por meios legais, claro.

Theodore Kackzynski

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Original: Green Anarchy Magazine #8