Se
a violência e a criminalidade são tão detestáveis, assim como a moralidade
tenta nos passar, porque a cada dia mais e mais jovens aceitam se sujar de
sangue por elas? Essa é uma pergunta complexa e estou longe de ter a
competência necessária para respondê-la, mas são elementos tão inquietantes de
meu tempo que não consigo seguir sem ao menos refletir um pouco.
A
violência já é um problema generalizado de nossa sociedade e cultura. Não mais
se apresenta apenas como uma anomalia incontrolável dentro da “ordem” social, hoje
ela já foi assimilada pela sociedade como parte integrante dela. A violência é
hoje um dos pilares de sustentação do entretenimento. A televisão nos
bombardeia violência em tempo integral. Muito mais lutas são televisionadas
hoje, além do fato desse ramo do entretenimento ser um dos mais lucrativos e
promissores. Não só a violência explícita é usada para entreter, mas também a
violência subjetiva. As corridas automobilísticas são um bom exemplo dessa
violência subliminar usada para entreter. Nas corridas de automóveis, não se
compete apenas com os outros corredores, mas também contra a possibilidade da
morte, e isso é , ao meu ver, violência. Afinal, o clímax da corrida são os
acidentes e/ou, na melhor das hipóteses, os momentos de risco de acidente
iminente.
Nem
mesmo as crianças estão a salvo do mercado da violência televisionada. Os desenhos
animados, que sempre trabalharam com a banalização da violência e da dor, hoje
estão mais violentos e realistas do que nunca. Os antigos desenhos animados
usavam da violência como a base de seu “humor”. O humor usado por eles se
baseava simplesmente em: a eterna luta entre os seres antagônicos; o gato
contra o rato, o cão contra o gato; etc. As “piadas” eram unicamente golpes e
ataques físicos um ao outro. Os personagens eram animais caricatos que não
sofriam danos realistas aos golpes sofridos, isso amenizava a idéia de
violência, mas, subliminarmente, acabavam por banalizá-la, fazendo se perder na
confusão qualquer parâmetro para se julgar conseqüências dessa luta violenta –
e tão divertida. Atualmente, esses personagens animalescos estão perdendo
espaço para os personagens que retratam o homem. As animações japonesas,
extremamente violentas e intensas, tentam aproximar sua estética à realidade.
Seus personagens são heróis com poderes sobre-humanos que lutam pelo bem (na
maior parte dos casos). Essa mudança aproximou o homem da violência subliminar
dos desenhos animados. Agora, a criança não vê mais animais violentando seus diferentes (o que por si só já era
perturbador), agora ela vê a si mesma,
como defensora do bem, violentando seus iguais
que representam o mal. Além disso, a
violência começa a se aproximar do real, mas ao invés de causar a repulsa,
causa o fetiche pela violência.
E
essa realidade não se resume à criança, apenas começa com ela. Os jogos
eletrônicos, vídeo-games, esportes de violência, esportes de grande
competitividade ou de intenso contato físico, propagandas, filmes, pornografia,
e muitas outras manifestações e práticas cotidianas em nossa cultura banalizam
a violência e transformam-na num entretenimento facilmente consumível e
digerível.
Nem
é preciso pensar muito para perceber o quanto a violência faz parte de nossa
cultura. Ela já alcançou seu lugar entre nós e não consigo enxergar nossas
vidas, nos mesmos modelos atuais, sem um pouco da pretensamente inofensiva e
onipresente violência, nos espreitando e nos atraindo. Já se tornou corriqueiro
sentir o desejo pela violência. Tentamos nos divertir vendo vídeos na internet,
e sempre acabamos dando gargalhadas de pessoas que se machucam ou que são
machucadas – e isso é tão legal.
Mas
não quero aqui fazer uma ode à violência. Pelo contrário, sabemos muito bem do
que ela é capaz. Todos nós sabemos quando estamos agindo sob efeito dessa droga
e, geralmente, podemos até mesmo apontar que tipo de “inofensiva” violência
consumida nos motivou a agir violentamente. E ai está o perigo: sabemos disso
tudo, mas... Mas sempre haverá algum argumento auto-legitimador para nos absolver.
Sempre! Sempre?
Me
pergunte se eu acredito que jogos eletrônicos violentos influenciaram pessoas
como Eric Harris/ Dylan Klebold e Wellington a cometerem as atrocidades que
cometeram, e minha resposta será sim. Mas não porque os jogos são violentos,
mas sim porque os jogos são produto de uma cultura da violência Os jogos
eletrônicos são só mais um produto de nosso culto a violência, assim como os
esportes violentos, os desenhos violentos, os filmes violentos, as piadas, os
costumes, entre outra essustadoramente grande parcela de nossa produção
cultural. Um jogo por si não pode levar alguém, em condições de saúde
psicológica razoáveis, a matar crianças dentro de uma sala de aula, mas todo o
suporte para isso, a sociedade, a moral, o modo de vida, a cultura em sua
totalidade, pode sim fazer isso, e pode também ser a influenciadora de
tragédias muito piores, com conseqüências catastróficas. Todos os games
violentos podem ser proibidos (o que seria uma atitude impensável) que ainda assim,
continuará em atividade toda a estrutura da cultura da violência. Os games, e
também as outras produções violentas com as quais convivemos e consumimos, não
são a causa do problema, mas sim o efeito. Agir sobre o efeito é, no máximo,
uma medida desesperada e ineficaz de amenizar as conseqüências mais urgentes.
Já a causa sim, nela é que devem se concentrar os esforços, e a causa somos
nós.
Mas,
continuemos a consumir a violência. Em doses controladas. Mas que tenhamos em
mente: a influência da violência do mundo lá fora em nosso modo de vida, isso
não é algo que saibamos hoje controlar. Ainda estamos sujeito a violência que
recebemos e que emanamos.
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Ass: Magro
Olá,
ResponderExcluirGostei muito da sua análise. Você colocou uma questão muito interessante e ofereceu uma resposta coerente. Se eu puder contribuir com alguns elementos extras, aí vai: Achei muito importante você citar a violência subjetiva, e eu gostaria de ver mais pessoas fazendo a conexão entre violência simbólica (como o bullying) e os produtos culturais, a publicidade, o entretenimento e a mídia, incluindo os games e a pornografia.
Talvez seja interessante também fazer uma distinção entre a agressividade humana e a violência civilizada, que cresce a cada dia. Como você disse, há um processo de ação e reação, em que nem sempre é fácil identificar as causas.
Abraços
Janos
Olá!
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Acabo de conhecer e estou gostando muito.
Concordo com a análise. Violência está se tornando a nova droga indispensável a se viver na civilização - se é que não foi sempre assim (na civilização).
O outro lado da moeda é a tolerância extrema a tudo. Tenho visto algumas pessoas se tornarem simplesmente cegas à ofensas, e insensíveis à violências. O que pode ser considerado bom do ponto de vista individual, mas pode ser também danoso no ponto de vista coletivo: a insenssibilidade à aquilo que o ocorre comigo me torna incensível àquilo que faço ou que outros fazem com os outros. É uma espiral que não leva à nada bom.
Sobre a conexão que o Janos citou, me lembrei de alguns dados interessantes: boa parte das divisas da industria de games norte americana é proveniente das forças armadas daquele país e das industrias militares; e em outro extremo, a indústria pornográfica é uma das que mais investe no desenvolvimento de novas mídias (desde as revistas em cores até os vídeos de qualidade HD e os cinemas 3D). Violência econômica ruindo culturas, comunidades, e laços afetivos.
Por fim, uma sugestão: será que vocês não gostariam de incluir aquele botão "seguir" do blogger, na barra latera? Ou o "seguir por email"? Com eles fica mais fácil acompanhar postagens...
Abraço!