Sobre este espaço

"Existem maneiras de pensar, agir e viver que possam ser mais satisfatórias, emocionantes, e principalmente dignas, do que as formas como pensamos, agimos e vivemos atualmente?"


Um de nossos tantos desejos... Se algum material que colocamos aqui, de alguma forma, estimular você a pensar ou sentir algo, pedimos de coração para que você use estas ideias. Copie, mude, concorde, discorde. A intenção deste blog é incentivar o questionamento e a intervenção das pessoas na sociedade. Pegue os textos, tire xerox, CONVERSE mais, faça por você, faça por todos nós, faça por ninguém. E se quiser, entre em contato(conosco, c/ qualquer um, com o meio, c/ a natureza...) Coletiva e humilde-mente - vive em paz, revolte-se!

terça-feira, 21 de maio de 2013

O DILEMA DO HOMEM-BALA E A CATAPULTA DA CIVILIZAÇÃO


Tudo que sobe...

Se a Idade Média foi um período de estagnação do homem, um pântano sombrio e imobilizante, o Iluminismo foi uma espécie de catapulta para a humanidade: por meio desta arma de cerco, criada para lançar projeteis a distâncias enormes pelo ar sem que os obstáculos terrestres no trajeto impedissem que o alvo fosse alcançado, o homem autocatapultou-se e alçou voo pelo céu, a uma velocidade assustadora, ignorando todo e qualquer obstáculo à sua frente. Quanto mais alto subia, maior se tornava o seu campo de visão sobre o horizonte, cheio de possibilidades, e maior era sua vontade de chegar o mais longe que pudesse. Dez séculos de pouca mobilidade amarrado a mistérios sobre-humanos, faz com que qualquer um, ao desatar as amarras, se afobe e saia correndo sem pensar na velocidade e no rumo que deve seguir. Tudo parecia correr bem no início do trajeto do homem-bala. Mas, com o tempo, ele passa a olhar com maior atenção o que vê pela frente. Vê castelos destruídos, esburacados pelos projéteis lançados pouco tempo antes dele. Vê as marcas de destruição de enormes bolas de pedra que se chocam ao chão depois de sua gloriosa conquista dos céus. E, logo, lhe vêm uma lembrança à mente: “tudo que sobe, desce”. 

O iluminismo foi a catapulta do homem, a ferramenta desenvolvida para realizar o projeto moderno de dar mais dinâmica ao processo de civilização. Por meio dele, muitos obstáculos no caminho da expansão da civilização foram retirados. O Deísmo conseguiu subjugar o inquestionável Deus medieval à espada da Razão, colocando-o de lado para que deixasse de ser um entrave moral. Desmoronou a crença cristã da imperfeição humana erigida pela Igreja e elaborou outra crença, tão religiosa quanto qualquer crença medieval: a crença na possibilidade da perfectibilidade humana. Realizou a necessária distinção entre o plano material e o espiritual – enaltecendo um e desvalorizando o outro – imprescindível aos anseios pela livre ação humana sobre a realidade. Não mais era compromisso do homem compreender uma verdade revelada e adaptar-se a ela da melhor forma possível, esse compromisso foi substituído pelo compromisso de entender racionalmente o funcionamento do mundo, de forma que pudéssemos manuseá-lo como bem entendêssemos no sentido de aperfeiçoá-lo à nossas vontades e necessidades. O sentido da vida humana passa a ser buscar a perfeição humana e o aperfeiçoamento do mundo. A esta ideologia, deram o nefasto nome de progresso.

A tecnologia gera problemas que tentamos resolver com mais tecnologia.

A ideologia do progresso gerou frutos: a ciência, o individualismo e o capitalismo.

Aos poucos matou o Deus cristão e erigiu em seu lugar um panteão de deuses produzidos industrialmente e vendidos em supermercados. Esses novos deuses são mais fáceis de cultuar, não querem nada de nós além de toda uma vida de sacrifícios – produzir para consumir para produzir para consumir para produzir para consumir... 

A sociedade apostou todas as suas fichas na ciência e agora os cientistas são os modeladores da Revelação – “eles sabem o que estão fazendo”, tentamos nos convencer. Acreditamos que a tecnologia resolve tudo e resolverá ainda mais no futuro. O mito da tecnologia como redenção da humanidade é difundido como pílulas para dormir e ignoramos na prática que toda tecnologia tem um custo e que os problemas aos quais tentamos resolver com tecnologia foram gerados exatamente por essa lógica de que só precisamos de tecnologia mais avançada para superar nossas dificuldades.

As pessoas buscaram a perfeição, e não a encontraram, e na falta do perdão, incomodamente e excessivamente cristão para os novos tempos, encontraram o consolo em remédios que engendram doenças. A neurose da busca pela impecabilidade nos tornou incapazes de lidar com os erros e de entender que não somos nem podemos ser perfeitos. Tornamo-nos assim escravos da culpa que nos chicoteia a cada erro que cometemos. Logo, só nos restam duas opções: sermos assombrados constantemente pela lembrança de nossos erros passados, mas continuar buscando a ética da perfeição frustradamente durante toda uma vida e exigindo-a de todos os outros ao nosso redor; ou nos resta despirmo-nos de valores morais e de ética, viver pela satisfação da vontade e pela busca do prazer e conforto. Essa constante cobrança pessoal extravaza-se ao outro, e assim, perdemos a capacidade de compreender e perdoar as limitações desse outro. Desaprendemos a amar, a nos relacionar intimamente e a perceber o caráter pedagógico do erro. Estamos tentando desenvolver nossa individualidade à força, passando por cima dos obstáculos ao invés de compreendê-los e nos adaptarmos a eles, porque temos pressa, queremos ser perfeitos AGORA!

A natureza e o futuro do planeta está em nossas mãos, e é exatamente esse o problema.

 
Pois é, o homem-bala, catapultado das pequenas cidadezinhas em ascensão no século XIV – XV, começa a perceber que seu trajeto não é uma reta rumo ao infinito, mas sim, uma parábola rumo ao chão sólido. Não me parece arriscado dizer que os mais sensatos dentre nós já podem perceber que estamos atingindo o pico de ascensão em nossa aventura suicída. Daqui, pouco mais podemos subir. E o declínio será catastrófico para o projeto de progresso ilimitado e busca pela perfeição. Aliás, pouco disso realmente conseguimos alcançar. Ninguém nunca foi perfeito e nunca será, temos nos tornado, na verdade, cada vez mais incapazes de estabelecer relações sociais sadias, seja com os outros, seja com nosso próprio ego. O mundo não está se tornando mais perfeito, está se tornando num inferno onde se torna a cada dia mais difícil viver em paz sem ser atingido pelas consequências de nossa civilização. Não conseguimos nos tornar independente da natureza, por mais que pensemos que estamos exercendo um relativo grande domínio sobre as leis naturais, estamos apenas levando aos limites a nossa boa relação com ela. Seremos cobrados por nossa audácia e cada dia que passa o preço se torna mais alto. Estamos sim progredindo – estamos em movimento retilíneo e cada vez mais acelerado em direção a uma parede, e nada indica que temos intenção de parar e dar meia volta antes da colisão.


 
Realmente, as coisas não deviam estar indo bem nos feudos medievais. Alguma coisa precisava ser feita. Mas, como sempre fez desde a escolha insana e pouco lógica de trocar uma vida nômade de pouco trabalho e abundância de alimentos por uma vida de trabalho árduo cultivando a terra na transição do modo de vida caçador-coletor para o modo de vida agrícola, o homem optou pelo mais promissor – pela maior quantidade de conforto, prazer e bem-estar possível – e, como antes, conseguiu. Ergueu uma civilização nunca antes vista na história do planeta e, por consequência, construiu a possibilidade de gerar o maior colapso civilizacional já visto. Isso porque, em todos esses dez mil anos de civilização, não conseguiu aprender que mais conforto, prazer e bem-estar, pelo menos na forma de que estamos habituados a entender esses conceitos, não tem nada a ver com vida melhor.



Carlos Teixeira.