Sobre este espaço

"Existem maneiras de pensar, agir e viver que possam ser mais satisfatórias, emocionantes, e principalmente dignas, do que as formas como pensamos, agimos e vivemos atualmente?"


Um de nossos tantos desejos... Se algum material que colocamos aqui, de alguma forma, estimular você a pensar ou sentir algo, pedimos de coração para que você use estas ideias. Copie, mude, concorde, discorde. A intenção deste blog é incentivar o questionamento e a intervenção das pessoas na sociedade. Pegue os textos, tire xerox, CONVERSE mais, faça por você, faça por todos nós, faça por ninguém. E se quiser, entre em contato(conosco, c/ qualquer um, com o meio, c/ a natureza...) Coletiva e humilde-mente - vive em paz, revolte-se!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

7 MENTIRAS SOBRE A CIVILIZAÇÃO por Ran Prieur




1- Progresso.
A mentira sobre o "progresso" não é a de que ele é bom, ou inevitável, mas é o fato de que ele existe, de que sempre temos experienciado tal coisa como uma linha reta, uma única direção, ilimitado, uma mudança positiva. Devemos pensar que temos, porque "progresso" é a mentira central de nossa cultura e existem ilusões e fantasias sobre isto em todos os lugares:
Existe o sistema escolar, onde vamos das series baixas para as maiores - porém esta elevação não real, é apenas uma historia para contar, e a mudança é apenas para nos fazer melhor encaixados no sistema dominante, assim como negociamos a experiência por historias rígidas, intuição por intelecto, diversidade por uniformidade, independência por obediência, e espontaneidade pelo previsível. Então temos o sistema de trabalho assalariado, onde supostamente vamos de posições baixas para posições altas, mas poucos conseguem, e de qualquer maneira "alta" significa exatamente que o sistema dominante tem um controle firme de nossa atenção, de nossos valores, de nossas almas. Então temos a história da tecnologia, onde as mudanças são declaradas "melhores" quando seus efeitos são para aumentar nossa impetuosa força transformadora sobre o mundo enquanto também aumenta nossa distancia emocional, ou para nos fazer mais dependentes de especialistas, ou para rodear mais e mais os humanos com as coisas que os humanos tem criado, um processo que Jerry Mander identificou como “psychic inbreeding" (algo como "procriação psíquica", N do T). Um local profundo em nossa "procriação psíquica" é o mundo dos jogos de computadores, jogos que muitas vezes sem exceção são construídos sobre o mito do progresso, nos treinando para nos auto-medicar com dopaminas para visões de poder cada vez mais crescentes, e assim nos deixando desligados com uma vitória no lugar de nos mostrar como este tipo de historia realmente termina.
Na realidade, nada se torna "melhor", mas apenas mudam as suas relações, e uma mudança nas relações que negocia a consciência e a colaboração para a desconexão e dominação não é irreversível mas sim insustentável, não ilimitado e sim auto-limitado, não positivo e sim destrutivo.

2- Evolução
Não existe disputa nos registros fósseis, no qual a vida tem se transformado muitas vezes. A mentira está em projetar o mito "progresso" em tais transformações, declarar que tais mudanças seguem uma simples linha em uma única direção, e sempre para "melhor". Este é um argumento muito difundido, onde nossa insanidade coletiva empurra uma máscara de si mesma no mundo biológico para se justificar. Na realidade as mudanças biológicas não são como a mentira do "progresso" - as mudanças biológicas seguem diversas direções, com populações crescendo e diminuindo, com os organismos se tornando pequenos ou maiores, se movendo da água para terra, e da terra para a água. E nada se torna "melhor" a não ser o fato de que as espécies se adaptam melhor ao seu ambiente, e numa ausência de catástrofes a totalidade da vida se torna mais diversa e complexa. Mas de ambas as maneiras, os humanos civilizados têm feito o oposto! Não nos adaptando neste vasto mundo, mas alterando o mundo para ajusta-lo a nós mesmos, e também alterando a nós mesmos para nos encaixarmos nas nossas mesquinhas fantasias culturais. E não estamos aumentando, mas sim diminuindo a diversidade e complexidade do todo, levando as espécies à extinção e exterminando ou assimilando as sociedades humanas em uma monocultura global uniforme.
Então de qualquer maneira que você classifica a historia biológica na terra, a civilização não é uma extensão de tal história, mas sim, uma recusa, uma catástrofe.

3- Tudo é Natural
Felizmente a maioria da pessoas reconhecem que isto é uma distração pseudo filosófica simplória, mas de qualquer maneira quero derrubá-la, O argumento se apóia numa distorção semântica, uma redefinição do "natural" para incluir absolutamente tudo porque assim eu digo. A civilização é natural porque humanos são animais, o lixo tóxico é natural porque é derivado de coisas que surgem na terra, blá blá blá...
As pessoas não usam a palavra "natural" desta maneira. Talvez seja "natural" eu pegar um porrete e esmagar a sua cabeça, mas você preferiria que eu não fizesse isso, então você define palavras como "assassinato" para expressar e defender esta preferência. Da mesma maneira, as pessoas definem "natural" para expressar e defender suas preferências por árvores vivas do que por árvores de plástico, campos no lugar de estacionamentos, rios de águas potáveis no lugar de rios de dioxinas. Isto é o que "natural" realmente significa, e se você não quiser morrer de câncer e transformar a terra num deserto envenenado, temos a responsabilidade de separar linguisticamente o natural do não-natural e optar pelo natural muitas vezes durante um dia. Se você quer uma exata definição, "natural" significa simbiose com a natureza, e natureza significa a totalidade da vida simbiótica na Terra, e simbiótico significa formas de relações que são mutuamente benéficas e também benéficas para o todo, onde o benefício amplo toma prioridade. Definir "benefício" empurra os limites de nossa linguagem empobrecida, mas eu venho a dizer que "beneficio" significa gerar autonomia e diversidade de vida.  E se você não sabe o que significa vida, procure saber mais.

4- A Tecnologia é Neutra
De todas as mentiras acerca da civilização, esta é a mais traidora, a mais desafiadora para refutar, a mentira que mais enfraquece o entendimento das pessoas, uma vez que poderiam saber melhor. É uma tamanha mentira que é difícil de lidar com ela, é tão auto-referencial que é difícil estar fora disso, e estar fora disso não é uma questão de aprender um simples argumento, mas antes aprender um modo de pensar totalmente diferente e complexo. A mentira tem duas formas que são comumente indistinguíveis juntas. Uma diz que a tecnologia como um todo é neutra, onde a "tecnologia" deve ser sutilmente definida como tecnologia industrial moderna. A outra forma diz que cada tecnologia em particular é neutra. Minha estratégia é atacar a segunda e fazer a primeira parecer tola declarando que nenhuma tecnologia em particular é neutra, que cada técnica, tecnologia e ferramenta têm seu próprio direcionamento de motivos e relações.
Primeiro, eu quero expor a singularidade desta definição interna de "neutro". Uma coisa é "neutra" se você pode contar uma estória de que como tal coisa pode ser boa e outra história sobre como pode ser má. Quando usamos esta definição na vida real? Podemos dizer que um serial killer é neutro porque além de estuprar e matar uma mulher ele paga seus impostos e às vezes ele é gentil com as pessoas? Se você trabalha numa fábrica durante o dia para aprender como sabotá-la durante a noite, você é neutro para a fábrica porque você a ajuda e a danifica? Se meu país vende armas para dois outros países que estão em guerra, então eles se destruirão um ao outro e meu país enriquece, isto conta como neutro? É claro que não! Mas estes são os mesmos tipos de argumentos ridículos que as pessoas usam para declarar que a tecnologia é neutra; a televisão é neutra porque ela não apenas nos faz consumidores passivos de uma cultura uniforme sujeita a um controle central, ela pode transmitir informações úteis. Uma represa é neutra porque enquanto ela submerge ecossistemas e bloqueia o percurso dos peixes, ela também faz eletricidade. Mesmo as bombas atômicas são neutras se você pensar em alguma história absurda sobre como fazer o bem com ela. O próximo nível de decepção é dizer que é o "modo que usamos" uma tecnologia que é importante. Por exemplo, carros são neutros porque/conseqüentemente você pode usá-los para ir de um lugar ao outro, ou para atropelar intencionalmente alguém. Mas como Jacques Ellul colocou, a ultima não é um uso - é um crime. Chamar isto de uso nos ilude ao colocar nossa perspectiva num espaço artificial entre o uso normal de carros e um crime, no lugar de colocá-la onde pertence - exatamente no extremo pretensioso uso normal de um carro. Mesmo se ignorarmos a exploração dos "recursos", a deslocação ou assassinato de povos indígenas, e o lançamento de toxinas exigidas para a manufatura e abastecimento de carros, mesmo se ignorarmos as milhões das mortes por acidentes de carro e a emissão de afluentes tóxicos, e olharmos os carros como ferramentas de consumo, ainda podemos ver seus efeitos problemáticos: nos movendo rapidamente de lugar para lugar, o carro insere a distancia em nosso ambiente físico, e o espaço nessa distancia será largamente preenchido com ruas e estacionamentos para conter todos os carros. Asfaltos assassinos da Terra, expansão urbana, são praticamente inerentes à tecnologia do automóvel. Também, por razões complexas, velocidade para além de certa lentidão atualmente aumenta a permuta do tempo.

Uma vez que certa distância tenha sido inserida, você precisa de uma carro para fazer qualquer coisa. para exagerar um ponto que Ivan Illich fez, se você mora em Los Angeles você pode muito bem cortar suas pernas fora.
Livre-se dos carros, e não tentaremos caminhar 40 milhas por dia nas avenidas - arrancaremos o concreto e construiremos nossas comunidades de forma que todas as necessidades se supram no tempo de uma caminhada. Assim passa-se menos tempo viajando para ir ao trabalho, libera-se todo o tempo e energia que é direcionado aos carros, recupera-se a autonomia através da possibilidade de usarmos nossas próprias pernas. Isso também repercute na melhoria de nossos relacionamentos. Pois os carros nos fazem deslocar diante das coisas a uma velocidade tão alta, já que nos cercam, isolando-nos da realidade que nos cerca, das outras pessoas e da natureza, impossibilitando-nos de estabelecer relacionamentos profundos com pessoas distantes. Sem esses carros nos relacionamos diretamente e freqüentemente com o que estiver na nossa frente; conhecendo nossos vizinhos e a terra. Podería-se apresentar argumentos similares em relação aos computadores, televisão, eletricidade, inclusive a linguagem escrita. Mas a questão não é simplesmente rejeitar inteiras categorias de tecnologia, mas aprender a enxergar as alianças e motivações ideológicas que são inerentes à tecnologia, apesar de sua "utilidade", e praticar, incluir ou rejeitar com base nesse entendimento.

5. Não Podemos Voltar Atrás
Como a mentira anterior, esta é puramente uma doutrina religiosa - mas esta mentira é claramente refutada pelas ruínas das civilizações antigas ao redor do mundo da qual as pessoas "voltaram atrás", e por sorte ou por indivíduos excepcionais através da história que abandonaram o sistema e se direcionaram para perto da natureza. Em um sentido, de qualquer maneira, é verdade: as sociedades exploradoras não têm marcha ré e apenas podem escalar até o colapso. Para evitar pensar claramente sobre isto, podemos contar a nós mesmos a próxima mentira:


6. O Futuro Tudo-ou-Nada
 De acordo com esta historia existem apenas duas possibilidades: a civilização industrial continuada ou o fim total do mundo. A continuidade da civilização geralmente significa o uso contínuo de máquinas para transformar as relações em dominação e auto-consumo. Para os tecnófilos isto poderia significar a mineração em outros planetas ou se aprofundar numa realidade virtual; para os liberais pode ser a tomada de uma idealizada versão da classe media alta num país rico nos finais do século XX, estendido para o mundo todo, e se mantendo indefinidamente através do controle central mecânico. E supondo que nossa civilização caia (nem pense nisso!) teremos nada menos do que um horrível esquecimento absoluto no qual podemos apenas discutir em termos de o que "devemos" fazer para evitar isto. As pessoas expressam isto com insanos pronunciamentos vagos como: Se não reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa em 50% em dez anos, será tarde demais". Tarde demais para o que? A realidade obvia é que as sugestões reformistas são politicamente impossíveis e insuficientes, que nossa civilização é um trem desgovernado que não irá diminuir a marcha até que saia dos trilhos, e que o futuro atual será aprofundado nas regiões que estamos esquecendo de considerar. A extinção de 95% das espécies incluindo os humanos não é um horror impensável, mas sim uma possibilidade específica que podemos pensar com precisão. Uma possibilidade moderada é um cenário Mad Max onde alguns humanos sobrevivem num planeta terra semi-morto. Moderado ainda seria um descentralização política e uma recuperação ecológica como a tão chamada idade media na Europa após a queda de Roma. Meu argumento é que podemos influenciar isto! Nossos sonhos e ações podem afetar que tipo de mundo nós iremos, mas não podem possivelmente manter o mundo em que estamos.

Chega um momento no incêndio em que você para de tentar salvar a casa inteira e passa a salvar o que se pode. O propósito da mentira tudo-ou-nada é bloquear esta mudança de mentalidade, para manter toda nossa atenção canalizada em seja salvando o mundo como conhecemos, ou o abandonando. Se compreendermos que mundos radicalmente diferentes são possíveis e que alguns estão vindo realmente a acontecer, se começarmos a imaginar e construir competidores vigorosos a civilização industrial, iremos danificar a "economia" e danificar especialmente os sentimentos das pessoas que têm investido seus egos na cultura dominante. Uma outra maneira que se protejam tais egos é com a seguinte mentira:

7- A civilização já ocorreu antes
Esta idéia peculiar é similar a anterior, mas a cegueira que ela impõem não é para outros sistemas não civilizados, mas para outras civilizações. A versão pró-civilização diz que esta é nossa única direção, colonizar o espaço e que quer que seja, e a versão anti-civilização diz que se nós podemos por abaixo a presente civilização, nada como isto irá acontecer novamente. Eu não sei de onde as pessoas vêm com essas idéias, ao menos que eles saibam algo que eu não sei sobre a vinda de uma transformação da new age da consciência humana. A dura lição da história é que cada civilização em particular cai enquanto a civilização em geral continua existindo.
Eu defino civilização geralmente como uma aliança entre a consciência de domínio e técnicas de exploração, criando uma sociedade que sistematicamente toma mais do que oferece. Sim, o petróleo irá acabar, mas as civilizações têm surgido e desaparecido por milhares de anos sem o petróleo, e não vejo razão para que não aconteça de novo. O modelo geral pode funcionar, se necessário, em nada mais do que nas forças dos músculos de escravos e de animais domesticados.  E quando você adiciona todo o metal e ferragens que estarão por ai, e os hábitos persistentes de nossa época, e qualquer conhecimento técnico que seja preservado, é obvio que parece que teremos civilização por ai - para participarmos ou para resistirmos - ao menos que sejamos extintos ou mudamos para algo completamente diferente.


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*Há uma versão mais atualizada e comentada desse texto no site do autor: http://www.ranprieur.com/essays/7lies.html